quarta-feira, 26 de março de 2014

3456) Ferrovia subterrânea (26.3.2014)


“The Underground Railroad” foi uma organização clandestina criada nos EUA para facilitar a fuga de escravos.  Era uma série de endereços ao longo de uma linha, como uma linha de metrô onde em cada “estação” era possível esconder-se, descansar, alimentar-se, etc., mas o trajeto entre uma e outra geralmente era feito pelos fugitivos na base do “cruze os dedos e seja o que Deus quiser”.  Há um bom livro que reúne histórias de escravos e abolicionistas: Forbidden Fruit – Love Stories from the Underground Railroad de Betty DeRamus (New York, Atria, 2005).  De pouso em pouso, os escravos fujões se afastavam cada vez mais, indo rumo ao Norte, já que a maior parte da mão-de-obra escrava vivia no Sul.

Não sei se houve algo parecido aqui no Brasil, mas Joaquim Nabuco em Minha Formação (1900) faz referências às atividades abolicionistas de André Rebouças. No capítulo 21 de seu livro, Nabuco transcreve um itinerário redigido por Rebouças para a fuga de escravos paulistas rumo ao Ceará:

“Caminho de Ferro Subterrâneo do Alto São Francisco ao Ceará Livre. Estação inicial: São Paulo, junto ao túmulo de Luís Gama. Segunda estação: Pirassununga.  Terceira estação: Cachoeira de Mogi-Guaçu.  Quarta estação: Em pleno sertão, com rumo de Nordeste; o Sol deve amanhecer à direita e cair, à tarde, à esquerda.  Quinta estação: Piunhi, nascente do rio São Francisco, acompanhando sempre o belo rio, abundante de peixes e de frutos deliciosos.  Sexta estação: De um lado Goiás livre; do outro o sertão da Bahia, onde não há capitães-do-mato.  Sétima estação: Na Vila da Barra, onde começam as grandes cachoeiras do São Francisco.  Oitava estação: No varadouro das águas do São Francisco, para as do Parnaíba. Nona estação: no Paraíso – no Ceará Livre.”

Nabuco avalia esse texto de Rebouças como “pura fantasia, mas tão cheio para todos nós de vestígios de sua originalidade, de toques de sua generosa sensibilidade, quase impessoal”. 

Foi por acaso que descobri esse “exército das sombras” protegendo os negros dos EUA. Joguei “underground railroad” no Google para fazer uma pesca de livros de FC que usassem essa imagem. Por que?  Por causa do romance de Emilia de Freitas A Rainha do Ignoto (1899), descrevendo uma ilha no litoral do Ceará, onde se chega por um trem subterrâneo, num reino só de mulheres. O livro tem influências feministas e abolicionistas.  Na época em que a autora cearense escreveu, a expressão devia circular na imprensa abolicionista da época, e o que fez ela?  Recriou fisicamente essa expressão que antes era meramente metafórica.  No livro dela, entra-se numa gruta, pega-se o trem subterrâneo, chega-se à ilha.


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