(manuscrito de Dostoiévsky)
Escreve-se
em parte para imitar quem veio antes, e em parte, também, para se distinguir de
quem veio antes.
É a dinâmica óbvia de qualquer atividade humana. Você aprende o que já existia, mas torna-se um potencial introdutor de ruído significante, de anormalidade criativa no sistema, de algo que depois venha a ser assimilado, e passe a fazer parte da forma ou da própria constituição desse sistema.
Tudo avança dessa maneira, seja o romance de aventuras serializadas dos anos 1920 ou os projetos de motores de Fórmula Um.
É a dinâmica óbvia de qualquer atividade humana. Você aprende o que já existia, mas torna-se um potencial introdutor de ruído significante, de anormalidade criativa no sistema, de algo que depois venha a ser assimilado, e passe a fazer parte da forma ou da própria constituição desse sistema.
Tudo avança dessa maneira, seja o romance de aventuras serializadas dos anos 1920 ou os projetos de motores de Fórmula Um.
Não
se deve confundir literatura com ficção. A ficção (romance, conto, novela,
etc.) é uma fatia robusta mas limitada. Cartas, ensaios, sermões, tudo isso é
literatura, e tudo isso pode vir a ser Grande Literatura (que é tudo que
algumas pessoas admitem que “é literatura”). Basta ser uma demonstração de
técnica e inovação explorando ao máximo as possibilidades do gênero, dentro das
limitações técnicas, do espírito e das obsessões de cada escritor.
Pode haver mais Grande Literatura numa carta ou num diário íntimo do que em muitos romances.
Pode haver mais Grande Literatura numa carta ou num diário íntimo do que em muitos romances.
O
conceito varia devagar, mas varia; e varia de país em país, não só ao longo do
tempo. Em algumas épocas do passado, e em algumas culturas de hoje, ser
literário é ser rebuscado; em outras é o contrário, pela dinâmica natural de
contraste. Gênios de um século já retornaram
à obscuridade no próximo e foram resgatados (e vítimas de mal-entendidos cheios
de boas intenções) 200 anos depois.
Se
os Sermões do Padre Vieira e os Lusíadas de Camões continuam legíveis hoje
é porque foi deles que herdamos grande parte das maneiras de dizer de hoje. Se
textos escritos 200 anos depois deles nos parecem ininteligíveis é porque não
deixaram influência, não serviram de modelo, não se incorporaram à maneira
coletiva de dizer as coisas.
Não
é porque estamos escrevendo um texto não-literário que devemos abrir mão da
literatura. Os relatórios de prefeito escritos por Graciliano Ramos foram o
primeiro sinal de que ele estava trazendo à nossa língua uma maneira pessoal de
dizer as coisas, quaisquer coisas, inclusive as mais banais e as mais
burocráticas.
Pode-se fazer Grande Literatura numa letra de funk, num anúncio de detergente, num editorial político, num encarte de CD, num trabalho de conclusão de curso, num bilhete pra uma rapariga, numa cantiguinha infantil, num post de rede social. É só querer e ser capaz.
O exemplo disso são as cartas de franz kafka. Já até foi dito pelo brothers quay que o melhor de kafka permanece nas cartas, isto é, o que ele não fez nos contos e nos romances, acabou sim, fazendo nas cartas.
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