O entretenimento é aquela parte da cultura (“cultura” entendida aqui como “qualquer sinal da presença humana no planeta”) que nada questiona, nada exige: só quer dar prazer. É uma atividade legítima, mas pode se tornar tão viciante quanto esses tiragostos químicos tipo Cheetos, Pringle, Ruffles, etc.: coquetéis de estimulantes do paladar, concebidos para gerar um consumo compulsivo.
Qualquer entretenimento é cultura, e qualquer atividade
cultural pode servir de entretenimento. A música, p. ex., vem servindo como
entretenimento “gratuito” através de shows em praça pública, mediante cachês
astronômicos. Se uma prefeitura paga 300
mil reais por um show não vai ter verba para apoiar folguedos populares,
realizar festivais de curta-metragem (o “cinema que não dá lucro”), patrocinar
mostras de teatro, realizar concursos literários, etc. O tal entretenimento
vira um câncer da cultura, crescendo descontroladamente e ameaçando o resto.
Ele se expande porque essa é a natureza de qualquer indústria de grande retorno
financeiro. No caso dos governos, o retorno é eleitoral: divirta o povo e ganhe
o seu voto; faça o povo pensar e você tem um problema em mãos. Sempre foi
assim.
Não sou contra o entretenimento. Ele é a beirinha de
cultura que resta aos exaustos, aos esgotados, aos embrutecidos por um dia
inteiro de trabalho estafante e sem sentido, sem falar nas horas intermináveis
de ida e volta nos trens desconfortáveis e nos ônibus repletos. Se eu passasse
o dia assim, quando chegasse em casa de noite não ia querer ler um romance
difícil. Ia desabar na frente da TV, que ainda é a forma mais simples de coma
induzido.
O entretenimento, porém, se esgota em si mesmo, não deixa
nada além do alívio momentâneo que produz. Passado o alívio, retornam os
problemas de sempre, e continuamos sem saber como encará-los. Existe, porém,
uma cultura que encara esses problemas. Para ser apreciada, ela requer a
mobilização plena do nosso espírito, da nossa inteligência, da nossa empatia,
da nossa emoção, da nossa capacidade de levar a vida a sério e questionar as
coisas.
Uma outra forma de ver a coisa. Esta é uma época de paradoxal imobilidade: todos estão presos em seus trabalhos e agindo em função de seus trabalhos e trabalhando para poderem ter um trabalho. Os ônibus repletos, os trens lotados estão repletos e lotados de pessoas imóveis. Daí a cultura do entretenimento. Antigamente ( e foi antigamente, mesmo) as pessoas criavam sua própria diversão e isso exigia das pessoas que se movessem. Agora, se as pessoas se movessem hoje isso representaria um gasto de energia, precioso, porque retirado da cota necessária ao consumo de bens, tangíveis ou não. Oferecer o entretenimento barato, fácil, dúctil é como alimentar o gado confinado. É mais barato, obtém-se melhores ganhos de produção e gasta-se menos com pessoal de apoio. Uma ilusão muito repetida é a de que estamos num estágio de civilização em que tudo e todos são viajantes, de que há deslocamentos sem fim pelo planeta. Não há. O que há são imagens e sons, milhões deles, movendo-se em direção e em torno dos “imóveis”.
ResponderExcluirEsse texto ajuda a elucidar uma porção de coisas, a copa (a diversão), e em parte as manifestações contra ela (um povo que começa a pensar), além do consumo compulsório dos subprodutos televisivos da globo à noite, etc.
ResponderExcluirSuper BT, assino embaixo, em cima e dos lados. Atrás e na frente também. Abraço
ResponderExcluirAssinado: Ed Porto (nada de Unknown)
ResponderExcluir