domingo, 2 de fevereiro de 2014

3412) O trabalho de editar (2.2.2014)



(Ilustração: Mario Bag)

Um jovem autor teve seu primeiro livro recusado por uma grande editora, e veio se queixar: “Editores são mercenários, só querem publicar coisas medíocres que vendem muito, como Paulo Coelho ou 50 Tons de Cinza. Eles boicotam o autor novo.  O governo deveria obrigar as editoras a publicar os novos autores, porque é uma questão de interesse social, de promoção da cultura.”

Tudo errado, e vou dizer por que.  Editores não são necessariamente mercenários, embora muitos sejam, assim como escritores não são necessariamente beberrões, embora muitos sejam. Todo editor gosta de publicar coisas que vendem muito – porque vendem muito, não porque são (ou deixam de ser) medíocres. Alguns dos maiores best-sellers que já passaram pelas livrarias brasileiras foram assinados por Umberto Eco, Rubem Fonseca, Milorad Pavic (Dicionário Khazar).  Mas se eu fosse editor, gostaria dos medíocres que vendessem bem, porque isso me possibilitaria publicar os autores que vendem pouco (ou seja, a imensa maioria do total).

O governo não tem o direito de obrigar editores a publicar autores individuais. No máximo, o governo pode criar políticas de compras (para bibliotecas, escolas, etc.) direcionadas para determinado tipo de literatura, e com isto estimular a publicação de livros com esse perfil.

O que os autores jovens não entendem é que nenhuma editora é obrigada a publicá-los.  Eles acham que é uma obrigação constitucional, e não é.  É um acordo entre dois parceiros (editor e autor) para colocar um produto no mercado; se o produto é também uma obra de arte, o futuro dirá. (Todo autor acha que o livro que escreveu é uma obra de arte.) Não existe teste químico para decidir se um texto é obra de arte ou não.  É a sociedade quem responde, e dá respostas diferentes com o passar do tempo.  Se um editor não confia no livro a ponto de apostar nele seu dinheirinho, a solução é o autor ir bater noutra porta.

Uma editora é um empreendimento industrial/comercial. Se eu mandasse no mundo, todo pretendente a escritor passaria 6 meses de estágio numa editora, trabalhando ao longo de todo o processo de produção de livros: avaliação de originais, tradução, revisão, editoração, diagramação, impressão, empacotamento, distribuição, publicidade...  Quando ele fizesse isso, ia ver que: 1) imprimir 2 mil exemplares de um livro é uma coisa muitíssimo trabalhosa e cara; 2) só vale a pena fazer isso se o livro valer a pena para alguém, senão é um desperdício de dinheiro e de tempo de vida dos funcionários. Para não falar no tempo de vida do próprio escritor de banalidades.


2 comentários:

  1. Caro Tavares, descobri o Dicionário Khazar há poucos dias em um sebo, e tendo lido teus textos sobre Nabokov e Borges, imaginei logo que seria algo do teu agrado. Duvidava, no entanto, que já o conhecesse, devido ao aspecto raro do livro. Só não sabia que ele havia sido best-seller por aqui. Foi mesmo?

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  2. Rapaz faz tempo que li uma crítica tão boa a respeito de escritores e editoras. Uma saída para esse empasse, na minha opinião, é o cabra partir para o ideal hippie do faça vocês mesmo. A Amazon por exemplo está aí no mercado nacional sem preconceito nenhum mandando para estante todo aquele que queira testar seu poder de venda, seu poder de aceitação. Não é fácil dá a cara a tapa ao mercado. Só posso dizer que o que é de fato bom para o mercado e ops leitores mais cedo ou mais tarde vai emergi, para que pressa!? =]]]

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