Falei há pouco tempo aqui (http://bit.ly/1bzHeCW) sobre um suposto plágio que Dorothy Parker teria cometido sobre a Lolita de Nabokov. Diz-se que ela teve acesso ao manuscrito, antes do livro ser publicado, e publicou na revista The New Yorker seu conto “Lolita”, onde ela fala de uma mãe viúva, uma filha desajeitada e um bom partido que se oferece como possível maridão.
Li o conto; mais
do que um plágio (como plagiar em dez páginas um romance de trezentas?) é um
desses furtos casuais que os escritores fazem tantas vezes. “Gostei desta
situação, esqueçam o resto, vou usar somente isto.”
A única imprudência de Dorothy Parker foi dar à sua
garota o mesmo nome da garota que vira no original datilografado de
Nabokov. Custava nada ter chamado a
menina de Peggy Sue? Seria menos
literária por isso? O caso todo é
típico dos pedidos de empréstimo que autores fazem a idéias alheias, tipos
alheios, estilos alheios, temas alheios, situações alheias. Todo mundo faz isso. O desafio é mostrar que o elemento pedido
emprestado rendeu muito melhor no nosso texto do que no alheio. Ou pelo menos
não ficou a lhe dever. Talvez ela tenha
deixado o nome “Lolita” como derradeira pista do que aconteceu, porque sem esse
nome talvez nenhum de nós percebesse.
O conto (aqui, no Scribd: http://bit.ly/1elNtLc)
é sobre uma mulher prestes a perder o prazo de validade, e sua filha canhestra e
antissocial. Aparece na cidade um tal John Marble, desassossegando os corações.
A cidade inteira cai aos seus pés. John Marble escolhe quem? A desajeitada,
angulosa e tímida Lolita, para desespero das rivais e mortificação ainda
maior de sua mãe, que também estava no páreo.
Diferentemente de Nabokov (que fala de homens o tempo inteiro), Dorothy
fala somente das mulheres, numa história onde o homem é mero adereço, mero
“prop” de estúdio, um dummy, um dildo, um dublê, uma função proppiana. O contrário da história de Nabokov, que é
uma explosão de testosterona míope, uma história trágica da derrota recíproca
de dois machos em luta, enquanto a ninfeta é mero catalisador, desencadeia as
catástrofes e as atravessa incólume sem nem se dar conta delas.
Charlotte Haze, a mãe da Lolita nabokoviana, se lesse aquele
livro (se fosse capaz de ler aquele livro) nem saberia que era um daqueles
personagens. Quando muito ficaria surpresa com a coincidência de nomes próprios
e de alguns fatos externos. Mrs. Ewing,
a mãe-viúva da Lolita de Dorothy, vê a filha sem graça ser pedida pelo
homem-sensação e consegue, como tantas heroínas femininas, destilar sua revolta
com o destino, ser mãe-modelo, casá-la com John Marbles e ficar olhando as
nuvens.
já fiz isso em meus escritos que procuro esconder cuidadosamente nas minhas gavetas. ao relê-los cinco, dez anos depois, constato perplexo que não há nenhuma relação aparente com o texto ou ideia original. por isso não acho que se trate de copiar uma ideia; no máximo é outra maneira de contar uma história, que também deixa de ser a história original por ser vista num ângulo diferente. imagino um autor dizendo pra si mesmo "como eu não pensei nisso?"
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