Mimesis de Eric Auerbach (a edição brasileira é da
Perspectiva, São Paulo, tradução de George Bernard Sperber) é um clássico dos
estudos literários. Sua leitura equivale a um curso de literatura
completo.
Foi escrito quando o autor,
durante a II Guerra, estava refugiado em Istambul. Já o comentei aqui (http://bit.ly/L9LZwE); é uma leitura atenta e
detalhada de textos clássicos (Montaigne, Shakespeare, Homero, a Bíblia,
Virginia Woolf, etc.) onde Auerbach vai de frase em frase desmontando e
revelando as intenções, as técnicas e os efeitos obtidos pelo autor, além do
“espírito da época”, o caldo cultural em que cada um estava mergulhado.
Um artigo de Kaya Genç na L. A. Review of Books (http://bit.ly/1aAC5Qz) mostra que Auerbach teve
acesso à biblioteca de um mosteiro, em Istambul, graças a uma carta de
recomendação do Cardeal Angelo Roncalli, o futuro Papa João XXIII. E ela
comenta que os artigos acadêmicos publicados em turco por Auerbach no
pré-guerra precisam ser retraduzidos hoje, porque o turco dos anos 1930 é
ilegível para a população moderna. (E a gente preocupado com o português!)
A façanha intelectual de Auerbach foi produzir uma obra
erudita, de literatura comparada e análise textual minuciosa, num livro de 500
páginas sem notas de rodapé, sem bibliografia. Ele próprio admitiu, no Epílogo,
que se tivesse podido pesquisar à vontade todas as referências necessárias,
talvez nunca tivesse chegado a escrever o livro.
Vejo amigos e colegas arrancando os cabelos porque a bendita
Tese ou a famosa Dissertação estão empancadas enquanto eles “releem Barthes
completo”, ou sei lá quem. Nada contra
ler Barthes; mas a produção intelectual acadêmica é de um imenso defensivismo, auto-protecionismo.
O autor está se calçando de argumentos alheios para se defender,
preemptivamente, das críticas dos seus pares: “faltou isso, ignorou
aquilo...” E as notas avalizadoras
estão para o texto como os volantes estão para um time de futebol.
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