sexta-feira, 26 de julho de 2013

3248) Fenda no espaço (26.7.2013)




Seu Claudionor ajeitou o boné, limpou as sobrancelhas e olhou de novo o relógio de pulso. Quase meio-dia e o ônibus das onze, que passava ali onze e meia, estava atrasado. Sentado no tronco, ele puxou mais uma vez a maleta para perto de si, embora estivesse sozinho na beira da estrada, à sombra de uma mangueira. No sábado e na quarta aquela estradinha tinha um movimento danado, mas em dia comum era um eterno problema. Seu Claudionor olhou a cerca às suas costas, e por trás dela a pastagem que se estendia em colinas bem verdes sob um céu bem azul, parecendo uma foto que tinha no computador do filho dele.

De repente ele deu um pulo, porque ouviu um barulho atrás, como uma coisa se dilacerando, só que muito alto, alto mesmo, como uma vez que ele ia passando do lado daquelas caixas pretas depois de deixar as sobrinhas num show e partiu dali um guincho indescritível que o deixou quase surdo uma semana, um problema médico que o namorado da sobrinha lhe explicou depois chamar-se microfonia. E viu que junto com o ruído às suas costas a paisagem colorida se rasgava, verticalmente se dilacerava, abrindo uma obscena boca vertical alargada à força, com emprego de músculos e de puxões, por dois homens que pareciam passar através dela, cruzá-la, até tombarem os dois quase desfalecidos a três metros de distância.

E pela fresta saía uma luz escura, uma tenebrosidade de treva reluzente, mas era possível avistar por trás uma parede de coisas como massas moventes cobertas de sinais coloridos em líquido cristal. Os dois homens vestiam roupas resistentes e (Seu Claudionor só então percebeu) capacetes transparentes que cobriam o crânio e o rosto com uma folga interna de um centímetro. Tiraram os capacetes, sem olhar para Seu Claudionor. “Eu lhe disse que se aumentasse demais ia romper a película, e olha aí o que você aprontou,” disse um. E o outro: “A medição disse que podia. O que fazemos agora?”. O outro deu um tapinha na palma da mão esquerda, leu alguma coisa nela. “Temos que esperar quase dois minutos, até que ela se recomponha.”  Ergueram os dois o olhar. “Tem um nativo aí.” “Fornique-se o nativo. Valem menos que um algoritmo em alta.”

Eles falavam um português de sotaque arrevezado e de palavras desconfortáveis, mas falavam português. Seu Claudionor abaixou-se, pegou a maleta, abriu a maleta, tirou a doze, armou a doze, detonou os miolos de ambos, guardou tudo de novo. Só então foi até lá, enfiou um e depois o outro por aquela fenda que já se fechava. Sentou de volta, limpou as sobrancelhas, olhou o relógio, pensou no ônibus, deu uma passada geral em torno, viu a paisagem verde-azul, cuspiu de lado e disse: “Vôte”.