terça-feira, 26 de março de 2013

3143) O tesouro (26.3.2013)





Quando D. Valquíria faleceu, o único filho que conseguiu viajar a Montes Claros para o enterro foi Rodrigo, o caçula.  O mais velho, Paulo, estava na Índia fazendo um mestrado em computação, e não conseguiria chegar a tempo. A do meio, Alicinha, estava saindo de uma depressão no Rio de Janeiro e teve uma recaída ao receber a notícia. Rodrigo, que por sorte era o mais prático e expedito, viajou, velou a mãe, fez o sepultamento, tomou todas as providências. Examinou sem muita saudade aqueles aposentos onde passara a infância. Sua preocupação era o destino da casa. Vendê-la e repartir o dinheiro entre os três parecia-lhe o único caminho.

Então chegou um email de Paulo lembrando-lhe o tesouro. “Mamãe dizia que havia um tesouro enterrado na parede da cozinha”, recordou ele. “Não vamos vender a casa sem verificar isto, não é mesmo?”. Rodrigo ponderou que tesouros não existem, mas que se eles três espalhassem a lenda (na qual ele não ouvia falar desde a adolescência) talvez conseguissem um preço melhor pela casa, contando com a cobiça alheia. Via correio eletrônico, ficaram dois dias avaliando o que fariam (Alicinha anunciou que qualquer coisa em que os dois concordassem ela concordaria também, mas que a deixassem em paz). Mas Paulo fincou pé. “Procure o tesouro”, insistiu.

Rodrigo (que tinha tirado uma semana de férias no emprego) tinha pressa. Dias após o enterro ele invadiu a cozinha com quatro operários. Era uma cozinha antiga, ampla, toda azulejada, com um velho fogão a lenha, enorme, e mais um fogão a gás, geladeira, despensa. Durante dois dias, arrancaram tudo, desmontaram tudo, esburacaram todas as paredes, cavaram o chão até uma profundidade de três metros, e nada. Aquela terra compacta parecia não ter sido remexida há séculos.

Quando desistiu, e estava colocando o entulho de volta, recebeu o telefonema de Tia Madalena, de 90 anos, que morava no Nordeste, perguntando-lhe o que ia fazer com a casa. “Vamos vender”, disse Rodrigo, “mas estou procurando o tal do tesouro, mesmo sabendo que não existe.” Tia Madalena suspirou. “Existe, sim, e sua mãe foi muito previdente. Ela comprou num antiquário uma coleção de azulejos portugueses e cobriu a cozinha toda. Na última avaliação, há cinco anos, o conjunto estava valendo quase cem mil reais.” Rodrigo ficou com o celular colado ao ouvido, enquanto contemplava o entulho, os operários suados empurrando terra para dentro do buraco, e a montanha de cacos de azulejos que enchia a despensa quase até o teto. “Ah, tia”, disse ele, “então se é tão pouco nem vale a pena se preocupar, melhor vender a casa do jeito que está”.