sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

3374) Violências de hoje (20.12.2013)



Nunca pensei que redes sociais através de computadores despertassem, em pessoas que a gente presume civilizadas, e que muitas vezes conhece pessoalmente, esses picos de agressividade, de descortesia, de violência verbal. Pessoas se intrometem com-quatro-pedras-na-mão num bate-papo de desconhecidos, insultando a uns e outros que não concordam com os pontos de vista lá delas. Insultos e ofensas estouram quando menos se espera. Por que?

Geralmente se diz que a causa é a distância física e o anonimato. Comentar num blog nos dá a possibilidade de ofender alguém que dificilmente vai ter a chance de afundar nosso nariz com um soco, mesmo porque jamais saberá quem somos – estamos assinando aquilo com nomes tipo GrimRaper ou NecrófagoDeAluguel. Tipo assim. Deitamos e rolamos, e a possibilidade de rebordosa física (a única capaz de nos atingir, porque moralmente somos um simples vapor rarefeito) é remota.

Na “Carta Capital”, Luiz Gonzaga Belluzo escreveu algum tempo atrás: “Nos comentários da internet, vai ‘de vento em popa’ o que Herbert Marcuse chamou de ‘automatização psíquica’ dos indivíduos. Os processos conscientes são substituídos por reações imediatas, simplificadoras e simplistas, quase sempre grosseiras, corpóreas. Nesses soluços de presunção opinativa, a consciência inteligente, o pensamento e os próprios sentimentos desempenham um papel modesto. Convencidos da universalidade do seu particularismo, os internautas comentaristas distribuem bordoadas nos que estão no mundo exatamente como eles, só que do lado contrário.”

Isto me lembrou uma nota que li muitos anos atrás, de que na Suíça, país auto-controlado e politicamente correto, havia lugares onde o sujeito pagava uma taxa fixa, entrava numa sala e tinha ali uma imensidão de porcelanas baratas que ele podia sair arrebentando com uma barra de ferro. Depois de 50 minutos e mil francos suíços, o cara ia para casa repousado, descarregado, pacífico como um bebê Johnson.  As redes sociais devem ter para alguns este mesmo efeito descarregador de tensões. O cara vai lá, arregaça, pontifica, esculhamba com meio mundo, e vai dormir. Seu único problema agora é que o ego não cabe na cama.

O passeio na web é uma viagem onde estamos rigorosamente sozinhos, diante de uma página colorida cheia de avatares, de bonecos. Tratamos esses bonecos de acordo com nossos impulsos mais íntimos, como nossa maneira em-bruto de ser. Há uma pergunta terrível que diz: “Do que você seria capaz, se tivesse certeza que ninguém nunca descobriria?”. A Internet parece perguntar: “Do que você seria capaz em público, se tivesse a ilusão de estar sozinho?” A resposta está aí.


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