(by Raziel)
No
meio de um sono inquieto, Váldson se vira, e naquele breve instante percebe um
peso ao seu lado, e vê que Gronk subiu na cama mais uma vez. Não acredito,
pensa ele, só me faltava essa. Suspira com resignação e estendendo o braço bate
com os nós dos dedos na carapaça do outro. “Gronk, levanta daí, vai, acorda,”,
diz ele. Gronk resmunga como quem finge estar dormindo, mas o resmungo foi
pronto demais, está na cara que estava acordadíssimo. “Vai, vai, já falei que
não é pra vir pra minha cama”, insiste Váldson. “É só um pouquinho,” murmura
Gronk, fingindo voz de sono, “lá fora está frio”. “Frio coisa nenhuma,” rebate
Váldson, “vai pro seu canto, isto aqui não é seu lugar.” “Deixa eu ficar, só
hoje,” o outro pede. “Não, não. Desce senão eu vou buscar o spray.” “Calma,
calma,” protesta Gronk, mexendo-se, transferindo-se pouco a pouco para o chão,
“sem violência, onde já se viu”. Arrasta-se para fora do quarto. Váldson está
cansado demais para trocar o lençol, limita-se a tirar a camiseta e bater no
lençol, jogando para o chão as escamas, a areia.
Deita-se,
põe um dos travesseiros sobre os olhos, mas quando está quase adormecendo
começa a ouvir um ruído metálico, ritmado, irritante. Tenta se concentrar no
sono mas o ruído insiste, fica mais forte. Ele pula da cama, desesperado. Gronk
está deitado no chão do corredor, e com as garras dos pés está descascando a
porta do armariozinho. “Mas o que é isso agora?!” “Eu falei que estou com
frio.” “Com frio num calor desse? E precisa estragar a porta do armário?!”
“Opa, nem vi. Minhas pernas estão tremendo de frio.” “Já pra área de serviço!
Agora! Senão, já sabe!” “Você não passa de um burguês, um ditadorzinho que quer
demonstrar poder em cima dum animal de estimação.” “Você nem é animal nem de
estimação, você é um castigo que eu recebi. Não sei onde eu estava com a cabeça
quando aceitei essa coisa na minha casa. Cai fora, vai!”
Gronk
volta a se arrastar, a cauda coriácea abanando para um lado e para outro, batendo nos móveis enquanto ele cruza a cozinha
e vai para a área de serviço. Váldson vai lá, olha: latas de conserva
dilaceradas, pães roídos pela metade, livros jogados de qualquer jeito, se
amassando. Gronk deixa o enorme corpo anelídeo tombar no colchonete e com as
pinças agarra um volume de Douglas Hofstadter. “Se for pra lá de novo, já sabe,
spray de álcool!” avisa Váldson, afastando-se. O outro resmunga: “Espero que
seu filho esteja sendo bem tratado no meu planeta, melhor do que eu aqui.”
“Dorme, e não enche o saco.” Váldson vai se deitar.
Faltam duas semanas para acabar o período do
intercâmbio escolar, e ele não bota muita fé no futuro pacífico da Galáxia.
Genial!
ResponderExcluirMais um curta-metragem seu, Braulio. Ducaraio!
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