terça-feira, 5 de novembro de 2013

3335) Meus erros de português (5.11.2013)





Diziam os antigos que nenhum homem é herói para seu criado de quarto. Isso era num tempo em que os cavalheiros tinham um “valete” que os ajudava a levantar da cama, fazer o asseio pessoal, vestir-se, tomar o desjejum, e assim por diante. Quem contemplava o patrão em momentos tão prosaicos não podia jamais ter uma imagem idealizada dele.  Pois digo eu que nenhum escritor é um gênio para seu revisor. Quem revisa os textos de muitos literatos em voga acaba surpreendendo-os em momentos, deixa ver como é que eu digo, de incontinência estilística ou de pouca higiene gramatical. Todo mundo erra. Com a palavra os revisores, copidesques e tradutores que há por aí.

Isto nada tem a ver com o fato de que Balzac e Guimarães Rosa viviam em briga permanente com revisores e tipografias. Ambos gostavam de remendar, na hora de conferir as provas, coisas que tinham escrito há semanas ou meses. Todo escritor é assim. Rosa era do tipo que fazia uma “edição definitiva” e poucos anos depois fazia outra, que só faltava trazer no título a expressão “VALE ESTA”. Quanto à queda-de-braço pessoal de Rosa com os corretores ortográficos biológicos daquele tempo, poucas vezes um autor ganhou essa disputa com tanta autoridade. Depois de passado o choque inicial, deixaram-no escrever como lhe dava na telha.

Todo mundo erra algo. Eu sou vagaroso para me adaptar às mudanças das reformas gramaticais. Ainda levei anos escrevendo êle, fôrça, cafèzal. Ainda não sei usar direito o novo hífen, mas pelo menos já me resignei à perda do trema. Erro muito em regência, porque todas me parecem ter alguma lógica embutida. Erro em concordância, porque assimilei um certo linguajar de rua, acho naturais certas formas de escrever que deixariam um gramático indignado. Digo coisas como “há muitos anos atrás” e não considero erro. Por outro lado, tenho o costume de pluralizar o verbo: “houveram bons filmes este ano”, e isso sim, eu considero erro.

Mas discordo da gramática quando ela diz que “conserta-se sapatos” está errado. Não está não. O “-se” não é forma reflexiva, é um sujeito abstrato, coletivo, como em “fala-se que ele vai renunciar”. Fala-se inglês, vende-se revistas, aluga-se carros, solda-se a oxigênio. Para mim, tudo isto está correto.

Existe o que a gente erra porque não sabe mesmo, por desinformação, ginásio mal feito. E existem coisas que usamos meio com segurança e meio na dúvida, porque para nós elas estão numa zona crepuscular entre o adequado e o inadequado, que são conceitos mais precisos do que abstrações morais como “certo” e “errado”. Se pra mim fizer sentido e ao meu ouvido soar bem, eu tendo a achar que está certo.


7 comentários:

  1. Já eu tenho um medo feladaputa dos quês, QUE uso em excesso.

    ResponderExcluir
  2. Em cada um destes artigos daqui eu corto uma dúzia de "ques", e ainda ficam 200.

    ResponderExcluir
  3. Procure a obra do crítico cinematográfico cearense L. G. de Miranda Leão (p. ex., "Ensaios de Cinema", BNB, 2010). Texto culto e fluente, sem nunca usar a palavra "que".

    ResponderExcluir
  4. Um alento ler esse artigo. rsrs Valeu, Bráulio!

    ResponderExcluir
  5. Na redes sociais vc,ops.Você aprende a escrever direitinho.

    ResponderExcluir
  6. bom texto para fat início à discussão do certo e do errado. Eu, que já fui muito exigente quanto ao uso da língua, agora aceito mais e mió.

    ResponderExcluir
  7. Encontrei alguns textos de L. G. de Miranda Leão na internet e, realmente, pelo menos os que li, não têm um que.

    ResponderExcluir