domingo, 22 de setembro de 2013

3298) Naquele tempo (22.9.2013)



(by Jacob Sutton)

Naquele tempo a gente tinha o costume de assistir séries de TV. Toda semana passava uma história. Quer dizer, a história era uma só, com muita gente, e cada semana passava um pedaço mostrando o que tinha acontecido com uns aqui, outros acolá. O país inteiro parava várias vezes por dia para que as balconistas de lanchonete mordessem os nós dos dedos e gemessem de aflição, ou ficassem com a mão no seio e o beiço tremendo.  Claro que também havia as séries reconfortantemente destinadas às mutilações, decapitações e punhaladas em que os homens se espelhavam.

Numa delas um homem descobre que está vivendo num universo paralelo na noite em que, na Copa de 2010, ele está vendo um jogo da Seleção diante de uma TV quando ouve, no rádiozinho de pilha do guarda na guarita em frente ao seu prédio (ele mora no primeiro andar) o habitual grito de gol antecipado. Mas na sua TV de plasma o chute brasileiro vai para fora. Ele se rebela, não crê, vai checar o detalhe à janela. Gol, sim, diz o vigia, estamos ganhando de 1x0. 0x0 é o placar que ele vê na tela, onde o jogo continua a acontecer como se não soubesse da existência dele.

Foi naquele tempo que um cara imaginou, certa madrugada, comendo iscas de fígado e tomando Itaipava em lata, a verdadeira necessidade de coisas como jornal, rádio, TV e Internet. As quatro coisas são projetos tocados à custa de fortunas mirabolantes para permitir à humanidade chegar mais rápido ao seu destino e finalidade: a criação de um mundo onde tudo é filmado e tudo é assistido, não importa se por todos, mas ser assistido por alguém é sinal de força política, de formação de opinião.

Nada sabemos do mundo, a não ser o que nos é contado em nossos contatos face a face, em carne e osso. Ou então... no que vemos impresso, transmitido, mandado ao ar e compartilhado on-line. Esse é o mundo em que vivemos.

E naquela noite uma série de sucesso botou no ar um episódio arrasador, devastante, lacrimogenial. O país parou e tremeu na base. Logo após, uma enxurrada de subtremores nas redes sociais. E logo alguém anunciou que num famoso saite de rateamento e estatísticas, aquele episódio específico estava merecendo agora, com uma votação que subia em milhares por minuto, uma inédita média 10 na história daquela pesquisa.

Ele acessou o saite e imediatamente votou um 9. “Por que?”, perguntou o terapeuta, logo que entendeu ser aquela a senha. E ele confessou que tem gente que é assim, que quebra vidraça, bate carteira e joga fora sem olhar, apaga fogueira de sem-teto, não pode ouvir falar em nada muito limpo sem querer mijar na sua borda. Quebrando o cristal daquele 10 ele reafirmou que existia.

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