(by Jacob Sutton)
Naquele tempo a gente tinha o costume de assistir séries de
TV. Toda semana passava uma história. Quer dizer, a história era uma só, com
muita gente, e cada semana passava um pedaço mostrando o que tinha acontecido
com uns aqui, outros acolá. O país inteiro parava várias vezes por dia para que
as balconistas de lanchonete mordessem os nós dos dedos e gemessem de aflição,
ou ficassem com a mão no seio e o beiço tremendo. Claro que também havia as séries
reconfortantemente destinadas às mutilações, decapitações e punhaladas em que
os homens se espelhavam.
Numa delas um homem descobre que está vivendo num universo
paralelo na noite em que, na Copa de 2010, ele está vendo um jogo da Seleção
diante de uma TV quando ouve, no rádiozinho de pilha do guarda na guarita em
frente ao seu prédio (ele mora no primeiro andar) o habitual grito de gol
antecipado. Mas na sua TV de plasma o chute brasileiro vai para fora. Ele se
rebela, não crê, vai checar o detalhe à janela. Gol, sim, diz o vigia, estamos
ganhando de 1x0. 0x0 é o placar que ele vê na tela, onde o jogo continua a
acontecer como se não soubesse da existência dele.
Foi naquele tempo que um cara imaginou, certa madrugada,
comendo iscas de fígado e tomando Itaipava em lata, a verdadeira necessidade de
coisas como jornal, rádio, TV e Internet. As quatro coisas são projetos tocados
à custa de fortunas mirabolantes para permitir à humanidade chegar mais rápido
ao seu destino e finalidade: a criação de um mundo onde tudo é filmado e tudo é
assistido, não importa se por todos, mas ser assistido por alguém é sinal de
força política, de formação de opinião.
Nada sabemos do mundo, a não ser o que nos é contado em
nossos contatos face a face, em carne e osso. Ou então... no que vemos
impresso, transmitido, mandado ao ar e compartilhado on-line. Esse é o mundo em
que vivemos.
E naquela noite uma série de sucesso botou no ar um episódio
arrasador, devastante, lacrimogenial. O país parou e tremeu na base. Logo após,
uma enxurrada de subtremores nas redes sociais. E logo alguém anunciou que num
famoso saite de rateamento e estatísticas, aquele episódio específico estava
merecendo agora, com uma votação que subia em milhares por minuto, uma inédita
média 10 na história daquela pesquisa.
Ele acessou o saite e
imediatamente votou um 9. “Por que?”, perguntou o terapeuta, logo que entendeu
ser aquela a senha. E ele confessou que tem gente que é assim, que quebra
vidraça, bate carteira e joga fora sem olhar, apaga fogueira de sem-teto, não
pode ouvir falar em nada muito limpo sem querer mijar na sua borda. Quebrando o
cristal daquele 10 ele reafirmou que existia.
É estranho,mas eu gostei.
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