Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
3294) Os monotemáticos (18.9.2013)
(by Juan Muñoz)
A noite de lua cheia derramava vias-lácteas pelo Cariri. Silêncio na fazenda Vem-Vem. Seu Dô estava sem sono e saiu para fumar um pouco no terreiro. Viu luz lá longe na casa do primo, Marcão. Foi se chegando devagarinho e mal tinha dado o boa-noite e puxado um tamborete para a calçada apareceu o Dr. Edson, que estava hospedado ali. Ele trazia uma garrafa de Brejeira e um copinho, que logo entrou na roda.
“É impressionante o Universo”, disse o Dr. Edson. “E na cidade a gente não pode ver o céu, por causa das luzes! A gente chega no Cariri e fica tonto de tanta estrela.” Seu Dô se recostou na parede e aduziu: “Impressionante é como o Governo gasta energia e não toma providências. Quando vou na capital vejo de madrugada os prédios públicos, tudo aceso. Aí, quando dá um apagão, eles se queixam de que falta energia, e aumentam os impostos! É só o que sabem fazer.” Marcão deu uma risada e disse: “Isso só me lembra um verso de Joãozim Pantoja: ‘Prefiro morrer de frio / embaixo dum viaduto’”.
O Dr. Edson virou uma dose e veio: “De fato, a cidade está cheia de gente sem teto, mas não são somente os mendigos. O Universo inteiro vai morrer de frio. Um dia ele vai consumir toda a energia de que dispõe, e se transformará numa fornalha fria.” “Exatamente,” disse Seu Dô; “mas por incrível que pareça é proibido questionar o nível de desperdício dos Governos e das indústrias. Temos energia solar, eólia... mas o Congresso e o Executivo estão sequestrados pelos ticões do petróleo.” Marcão virou sua dose, limpou a boca e trouxe: “Como disse o poeta: Sou incêndio num poço de petróleo, arrasando o orçamento da nação!”
Houve uma pausa filosófica. Dr. Edson, ergueu o dedo, apontou: “Olha só, o Cruzeiro do Sul. Os navegadores católicos, ao cruzar o Equador rumo ao sul, devem ter considerado essa cruz no céu como um sinal verde, um sinal boas-vindas.” “Que aliás nunca foram escassos,” disse Seu Dô sem perder uma batida, um respiro; “os portugueses sempre agiram como se isto aqui fosse a casa deles, e o Cruzeiro não existe, é apenas a impressão visual produzida, sobre nosso ângulo de visão, por estrelas que na verdade não formam cruz alguma, estão muito distantes entre si.” Marcão deu um trago e concordou: “Tem um verso de Jó Patriota lindo, sobre o luar, mas está me escapando agora”.
E prosseguiram assim. O Dr. Edson lembrou o projeto de colonização do planeta Marte, Seu Dô concordou que projetos colonialistas eram típicos de impérios decadentes, e Marcão relembrou uma sextilha de Pinto. Então uma nuvem cobriu a lua, e começou a neblinar. Os três bocejaram, despediram-se, recolheram-se, e dormiram em paz.
Quá-quá-quá.eu tava precisando de rir.
ResponderExcluirA menina nasceu como todas as outras, choro forte, destemida e aproximadamente 300 mil óvulos. Bem-vinda!
ResponderExcluirA bebê Thaís foi cercada de mimos, cores fracas e apagadas: amarelinho e rosinha. Aos poucos, pintaram as suas unhas com cores brilhantes, furaram as orelhas, contaram histórias de príncipes e princesas com seus longos cabelos, as tecelãs e a longa espera. Depois, as notícias de estupros, violências e assassinatos contra a mulher que escapavam da televisão e das rádios, apesar de não saber o que era estupro, sabia que era mulher e era proibido conversar com estranhos, fique longe de seu tio!
Aos nove anos, Thaís, nessa confusão de verdades de esperar ou se defender do mundo, viu uma estrela cair da grande abóboda do céu, passeando pela rua, pelo fusca amarelo, formando a silhueta da humanidade, retornando ao seu estado de bola fluorescente e cintilante, tomando a forma do som, estourando um dos tímpanos, sangrando o seu nariz e seu ouvido esquerdo, ziguezagueando de volta para o negrume e se fixando num ponto para depois apagar.
“A verdade mente”, foi o que Thais disse ao despertar. Aos poucos, largou o jogo de coquete boquete, os livrinhos de inglês para crianças, os de informática para crianças, e outras brincadeiras como Aprenda Mandarim Brincando, Cálculo 1 e 2 : Brincando de engenheiro, Alan Poe para crianças que gostam de ler, o seu filho brinca como um superdotado? E finalmente tornou-se a Thaís de Mileto.
A mãe desesperada via e revia o filme O óleo de Lorenzo, mas a pequena Thais de Mileto andava pelo pátio do colégio olhando para o céu.Quando ficava em um recinto fechado, ela se encostava num dos cantos e jogava o corpo para frente e para trás emitindo sons diversos, o único contato que tinha com mundo era por meio dos livros de filosofia e gritava, e batia palmas, e se sacudia contra qualquer um que apagasse o som das luzes.