sábado, 18 de maio de 2013

3189) Suponhamos (18.5.2013)





Suponhamos (disse o professor de Matemática) que a existência de dimensões no espaço-tempo esteja relacionada a campos energéticos, de modo que um ser vivo pudesse chegar intacto ao fim de uma viagem transdimensional, e uma cadeira não. Suponhamos então (disse o jornalista, tamborilando os dedos na borda do teclado) que as criaturas vivas do nosso planeta têm diferentes graus de gasosidade, registre essa palavra como de minha autoria, e passam sem se ver, uma através da outra, como uma galáxia inteira passa por dentro de outra galáxia sem que duas estrelas se toquem. Suponhamos (disse o fazendeiro com chapéu de palha e charuto desafiante) que eu chamasse o delegado e perguntasse que destino foi dado àquele rapaz bêbado que enchia o saco de todo mundo nas festas daqui da cidade, falando em não-sei-do-quê não-sei-de-quá transdimensionais.

Suponhamos que eu já esteja de saco cheio disso tudo e não queira mais mexer nesse assunto, entende aí, boa noite, foi mal (o rapaz, já não bêbado). Suponhamos (disse a sua platéia o dr. Jean-Marie François, Ph. D) que eles dominam uma dimensão a mais que nós; que há atalhos do espaçotempo que somente eles podem atravessar, e nós não; como o cavalo do xadrez, que vive numa dimensão a mais que os outros. Suponhamos (disse o dr. Nathaniel, diretor da clínica) que o senhor perceba o quanto seu trabalho está bem encaminhado e que este é o melhor momento para um merecido descanso, dr. François, de modo que trouxemos aqui esta autorização judicial, e garantimos que tudo está preparado para que o sr. nem pense em trabalho.

Suponhamos que o velho não pulou (disse outro jornalista, soprando um líquido negro num copinho branco de plástico), e sim que foi atirado lá de cima, por se recusar a colaborar, ou por ter descoberto algo comprometedor, ou por ter pisado nos calos de alguém muito poderoso, ou as três alternativas juntas. Suponhamos (disse alguém) que todos esses cientistas morrendo, esses aviões de ministros e de senadores que caem, esses acidentes de estrada, essa onda de suicídios, suponhamos então que isso não passa de uma queima pública de arquivo, de alguma informação que sem poder circular estava circulando mesmo assim no mundo da matemática pura, da topologia, da microfísica, da teoria dos cordéis; que tudo não passa de um pogrom sistemático, irredutível, cercando quem fosse capaz de calcular, identificar, e aprender a bloquear os hipertúneis desses seres - que podem lhes dar acesso a qualquer cofre forte nosso, a qualquer sexo fraco, a qualquer mercado negro, a qualquer torre de comando, a qualquer fortaleza, a qualquer universo criptográfico, a qualquer coluna de jornal.



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