(O minarete de Aleppo)
Abri a página da Wikipedia para consultar alguma coisa e vi
essas notícias lado a lado. (Intervalo: Sim, eu consulto a Wikipedia. Já
trabalhei anos em enciclopédia. Toda enciclopédia tem erros. A Britânica tem
tantos erros quanto a Wiki. Para informação básica, nomes, fatos, datas,
títulos, números, todas são igualmente (des)confiáveis. E a Wiki eletrônica
remete direto às fontes, coisa que no papel é impossível fazer. Fim do
intervalo.) Bem, eis as notícias:
1) A destruição do minarete da mesquita de Aleppo (Síria),
no último dia 24 de abril, na luta entre o governo e os rebeldes, que se acusam
mutuamente de ter bombardeado o monumento. A mesquita já foi destruída e
reconstruída várias vezes: após um incêndio em 1159, após a invasão mongol em
1260, etc. O minarete, construído em 1090, era a parte mais antiga ainda
intacta. Agora, é uma pilha de tijolos quebrados e poeira.
2) O desabamento (no mesmo dia 24) de um prédio comercial de
oito andares em Bangladesh. No prédio trabalhavam operários em confecções de
tecidos, inclusive para empresas como Benetton, Walmart, etc. Na véspera do
acidente tinham sido avistadas rachaduras, mas os proprietários garantiram que
não era nada de mais. Na hora do desabamento, 9 da manhã, havia 3.122 pessoas
no prédio; até agora há 348 mortos e mais de mil feridos.
Quando vi essas duas notícias lado a lado, me entristeci
pela destruição do minarete, uma relíquia histórica; a queda do prédio cheio de
costureiras não me abalou tanto. Pelo menos foi assim durante uns dez segundos,
até que resolvi voltar, reler tudo e descobrir por que dou mais valor a um
minarete do que a trezentas pessoas.
A questão, me parece, é que o minarete é um indivíduo, e
aquelas pessoas não são. É um indivíduo porque tem nome, tem foto, tem
descrição, tem uma história própria. É cercado de fatos históricos, de análises
arquitetônicas. Milhares de turistas já o fotografaram. Já as costureiras
anônimas de Bangladesh não têm individualidade, são uma massa amorfa de
estatísticas. Ninguém jamais saiu do Rio de Janeiro para tirar foto com uma
delas.
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