Minha vida de cineclubista ocorreu entre os 16 e os 30 anos. Nesse período eu tive várias atividades cinéfilas, nas cidades onde morava: Campina Grande, Belo Horizonte, Campina Grande de novo, Salvador.
Mesmo quando não era um cineclube,
era o espírito de cineclube que inspirava essas atividades. O espírito de amar
o cinema, gostar não somente dos sofisticados e ambiciosos “filmes de arte”,
mas de qualquer coisa besta relacionada ao cinema: o barulhinho treme-treme da
película 16mm vibrando diante da luz, o cheiro ácido que se elevava das latas
de filme ao serem abertas, a contagem regressiva da ponteira riscada que
precedia o filme propriamente dito, a música que tocava antes da abertura das
cortinas...
A relação amorosa (eu quase diria: a relação sexual) entre nossa
mente e aquela imagem luminosa gigantesca preenchendo o mundo à nossa frente. Uma
relação ao mesmo tempo de desejo e desafio, entrega e controle. Por um lado,
deixar-se embeber pelo filme, e por outro domesticar e subjugar o filme através
de fórmulas mágicas criadas por mim mesmo, como estas linhas que escrevo agora.
Para
os incréus, um cinéfilo é um intelectual pedante que diz entender filmes que ninguém
entende, inclusive ele. Mas o cineclubista ou cinéfilo é o cara que não visa
apenas “entender o filme”. Ele quer alcançar a vida que há por trás do filme.
Mesmo que os simbolismos ou hermetismos de Bergman ou Godard continuem sendo
grego para ele, ele pode, mergulhando no estudo de Godard ou Bergman, entender
quem são esses caras, e o que são os filmes que fazem. Um cinéfilo olha uma
cena e vê algo além do retângulo luminoso que é tudo que o espectador comum
enxerga. Ele percebe como aquilo foi feito tecnicamente. Ele sabe que aquele
movimento de câmara deve ter exigido dias de ensaio. Ele entende que certo
efeito de iluminação não está ali por acaso, foi discutido noites a fio ao
redor de uma mesa.
O
cinéfilo vê o filme e espreme o sumo do prazer estético do filme, sabendo, ao
mesmo tempo, o sangue, o suor e as lágrimas (para não falar nos dólares e nos
reais) que aquele filme exigiu de quem o fez.
O público vê o drama dos
personagens; o cinéfilo deduz, do que vê na tela, os dramas de toda aquela
longa ficha técnica cujas funções ele conhece. Ele sabe dos bastidores, dos
camarins, entende a luta pelo poder que resulta num diálogo, numa cena, num
corte. O público se emociona com a história, vê o filme como se o vivesse. O
cineclubista se emociona com a história dos que contaram essa história vista
pelos outros. Ele vê a vida por trás do filme, e com isso aprende a ver a vida
por trás da vida.
ele sabe o que é uma lenda chamada "O corvo amarelo", mas já conseguiu ver a versão dos anos 50 de A Balada de Narayama.
ResponderExcluirMenino, você disse tudo que eu gostaria de ter dito. Cinéfila? Eu sou, no sentido mais comum, sem intelectualismos. Num filme, o máximo que identifico, às vezes, é o diretor. Me apaixonei pela Emanuele Riva em Hiroshima mon amour. Linda, ela. Choquei-me quando vi o trailler do filme Amou, Emanuele tão velhinha, tão feinha... Ah, esse meu cinefilismo...
ResponderExcluirDôra Limeira
Em uma visão maior da vida, você disse tudo, que eu gostaria de ter dito. Muito bom.
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