Os
irmãos Augusto e Haroldo de Campos, criadores do Concretismo paulistano com
Décio Pignatari, costumavam mencionar em seus livros o mistério que cercava uma
palavra do antigo idioma provençal. Era a palavra “noigandres”, que nenhum
linguista conseguia entender o que era.
Virou um pequeno enigma, tão fascinante
que foi a palavra escolhida para dar nome à revista literária que os
concretistas começaram a publicar em São Paulo em 1952. (E eu a citei ao chamar
de “Campinoigandres” a cidade imaginária onde ocorrem alguns dos meus contos e meu
romance A Máquina Voadora).
Quem
quiser saber a história detalhada, leia aqui o ótimo artigo de Antonio Risério
(http://bit.ly/YwwnlS); basta dizer que o
provençalista Emil Lévy pesquisou a palavra e concluiu que seria uma forma
abreviada de “d’enoi gandres”, onde “enoi” é uma forma aparentada ao termo francês
“ennui”, tédio; e “gandres” viria de “gandir”, proteger.
A expressão
significaria, portanto, algo que protege contra o tédio. Um antídoto contra o
tédio – para ser fiel ao amor concretista pelas assonâncias. E, por uma
casualidade serendipícia, é uma boa descrição para a injeção de novidade e
estranheza que o Concretismo aplicou em nossa poesia, em nossa crítica
literária.
Isto
sempre me trouxe à mente a famosa frase de Maiakóvski, que dizia: “É melhor
morrer de vodka do que de tédio”. Melhor naufragar na tormenta do que apodrecer
na calmaria. Maiakóvski, o futurista “de estatura quilométrica”, com sua camisa
amarelo-berrante, dizendo: “A anatomia ficou maluca comigo: sou coração dos pés
à cabeça”.
E me lembra também o conto de Ray Bradbury, no livro homônimo, A
Medicine for Melancholy (1959). É a história de uma linda mocinha londrina do século
18, que está definhando de fraqueza e nostalgia. A família coloca sua cama na calçada,
em frente à casa, para pedir opiniões aos transeuntes. Um jovem lixeiro
aconselha que ela passe a noite ali fora, porque a melancolia que ela sente só
pode ser curada por um remédio: a lua. Seguem seu conselho, e durante a noite
quem aparece não é a lua, é o próprio lixeiro, agora limpo e cheiroso, que se
enfia entre os lençóis da moça e a cura da melancolia com o mais antigo dos
remédios.
Tudo que as pessoas buscam na vodka, na droga, no amor, na música,
na poesia. A novidade, a estranheza, a intensidade, o furacão, a tempestade, a
alucinação dos sentidos, a eletricidade na medula, o antídoto contra o tédio:
noigandres.
Essa é do baráulio!
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