Lourenço Mutarelli é mais um autor migrando das histórias em
quadrinhos para a literatura. Traz consigo um enxugamento de estilo e alguns
recursos típicos de quem escreve para a imagem. Miguel e os Demônios (2009) é
um romance curto na linha áspera e sombria de Rubem Fonseca, João Antonio,
Dalton Trevisan. Cito cada um destes nomes por motivos diferentes. De Fonseca
ele tem o acompanhamento do cotidiano de um polícia civil, a percepção
instintiva de detalhe bizarros do dia-a-dia. De João Antonio, uma certa
ambientação sórdida nos desvãos do centro de São Paulo, por entre pivetes e
travestis. De Trevisan, a secura e a precisão das frases e dos parágrafos,
sempre muito curtos, desbastados ao máximo.
Mutarelli parece estar escrevendo para si mesmo, com a
descontração de quem escreve para quadrinhos e nem tenta disfarçar essa origem.
Aqui e acolá ele dá indicações como: “Durante a corrida o celular de Miguel não
para de tocar. No visor lemos Rebeca”. Essas dicas de visualização são típicas
de roteiro (HQ ou cinema), e num texto mais floreadamente literário pareceriam
deslocadas. Mas em Mutarelli elas se encaixam bem com a economia das frases
curtas, que às vezes trazem uma ação longa e complexa comprimida em menos de
uma linha. Tudo é rápido, direto, e a habilidade de Mutarelli está em misturar
o tempo inteiro, nessas rajadas de parágrafos magrinhos e frases curtas,
indicações objetivas (o que poderia ser visto por um observador presente à
cena) e subjetivas (o que o personagem está sentindo ou pensando, uma área a
que só o autor tem acesso).
A tal conspiração satânica justifica o "distúrbio" mental de alguns psicopatas que não veem uma razão plausível para fazerem o que fazem. Para se safarem acabam dizendo isso. Estava possuído por uma força do Mal que me mandava fazer. Agora eu sei e com a revelação Jesus, nosso Senhor me guarda e proteje. E chora. Incapaz de se colocar no lugar do outro ele chora para se proteger de eventuais acusações de que ele é insensível e não se arrepende. Mas ele não conta que sua debilidade no sistema límbico, parte responsável pela memória emotiva do cérebro primitivo, não o permite ocultar seu frio arrependimento.
ResponderExcluirPosso eu também estar sendo levado a pensar assim, claro. E não ver emoção em sujeitos capazes de cometer uma "chacina" seja lá porque razão ou por que falta de emoção.
A propósito: neste artigo é citado outra obra do Mutarelli.
ResponderExcluirhttp://mundofantasmo.blogspot.com.br/2012/01/2777-o-cheiro-da-grana-2712012.html
obrigado, BT, pela iluminação!