Meu amigo! Que calor é esse. A esquadria de alumínio derreteu e colou, ainda bem que a janela estava aberta. O calor tá tão grande que eu deixei uma xícara de café em cima da mesa e meia hora depois ela tinha esquentado. A água fria do chuveiro vem mais do que morna. E quando a gente sai e se enxuga, quando vê já está enxugando o suor. Se ligar o ar condicionado, é melhor vedar a porta com fita crepe. Na rua, nem é bom falar; a gente sua no sol e seca na sombra, ou o contrário, e perde meio litro dágua a cada cem metros. Vi gente com bolsa de soro fisiológico presa nas costas tipo mochila. Sentei na janela do ônibus e quando desci tinha bronzeado o lado esquerdo do rosto. Nos relógios digitais da calçada a temperatura aumenta mais depressa do que a minutagem. Meu amigo! Isso é calor ou o test-drive do fim do mundo? O único gole gelado da cerveja é o primeiro. Tem gente procurando gordo na calçada pra poder andar na sombra. Saí ontem de tarde e precisei entrar em dezessete Bancos pra dar uma aliviada. Recuperei palavras em desuso: canícula, soalheira, rechinar, ignívomo. O pior é que tem hora que não é só o sol em si, é que parece que alguém só de sacanagem cobriu a cidade com uma redoma. Não sopra uma brisa, não corre um ventinho sequer, o mormaço nos envolve como um casulo invisível e pegajoso. É preciso fazer força pra respirar; o ar se faz de difícil, só entra à custa de muito assédio, muita coerção, quando não de ameaça pura e simples. O ventilador está ligado mas nem com a mão à frente dele a gente sente alguma coisa. O ar quente não sobe mais, fica depositado no chão, sem forças. Você anda na rua forçando a passagem através desse aluvião de moléculas exaustas. Meu amigo! Pense num contêiner de metal largado no Saara. E o Sol? Perderam o controle sobre esse cidadão, ou então a órbita da Terra está se aproximando. O danado queima com força, parece ter intenções malévolas, parece ser algo de ordem pessoal. Sem falar que o dia diminuiu, mal escurece no oeste já começa a clarear do outro lado, e recomeça o tempo de fritura e ebulição. Ontem fiz um pedido no disk-japa; quando chegou, o sashimi estava assado. Meu amigo! Aqui em casa os quadros estão suando tinta. Em cada lugar que eu paro deixo uma poça de mim. Essa noite sonhei que era Joana d’Arc, pode uma coisa dessa? Entrei na sala e tinha uma planta se abanando com as próprias folhas. É engano meu ou as paredes estão se envergando? Me distraí parado e o sapato grudou no piso, só saí porque me descalcei. Mas tudo bem. Fui na janela agora e lá vem um paredão de nuvens de chumbo, crescendo por cima dos prédios. Acho que agora as coisas vão melhorar.
Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
3083) Que calor é esse (15.1.2013)
Meu amigo! Que calor é esse. A esquadria de alumínio derreteu e colou, ainda bem que a janela estava aberta. O calor tá tão grande que eu deixei uma xícara de café em cima da mesa e meia hora depois ela tinha esquentado. A água fria do chuveiro vem mais do que morna. E quando a gente sai e se enxuga, quando vê já está enxugando o suor. Se ligar o ar condicionado, é melhor vedar a porta com fita crepe. Na rua, nem é bom falar; a gente sua no sol e seca na sombra, ou o contrário, e perde meio litro dágua a cada cem metros. Vi gente com bolsa de soro fisiológico presa nas costas tipo mochila. Sentei na janela do ônibus e quando desci tinha bronzeado o lado esquerdo do rosto. Nos relógios digitais da calçada a temperatura aumenta mais depressa do que a minutagem. Meu amigo! Isso é calor ou o test-drive do fim do mundo? O único gole gelado da cerveja é o primeiro. Tem gente procurando gordo na calçada pra poder andar na sombra. Saí ontem de tarde e precisei entrar em dezessete Bancos pra dar uma aliviada. Recuperei palavras em desuso: canícula, soalheira, rechinar, ignívomo. O pior é que tem hora que não é só o sol em si, é que parece que alguém só de sacanagem cobriu a cidade com uma redoma. Não sopra uma brisa, não corre um ventinho sequer, o mormaço nos envolve como um casulo invisível e pegajoso. É preciso fazer força pra respirar; o ar se faz de difícil, só entra à custa de muito assédio, muita coerção, quando não de ameaça pura e simples. O ventilador está ligado mas nem com a mão à frente dele a gente sente alguma coisa. O ar quente não sobe mais, fica depositado no chão, sem forças. Você anda na rua forçando a passagem através desse aluvião de moléculas exaustas. Meu amigo! Pense num contêiner de metal largado no Saara. E o Sol? Perderam o controle sobre esse cidadão, ou então a órbita da Terra está se aproximando. O danado queima com força, parece ter intenções malévolas, parece ser algo de ordem pessoal. Sem falar que o dia diminuiu, mal escurece no oeste já começa a clarear do outro lado, e recomeça o tempo de fritura e ebulição. Ontem fiz um pedido no disk-japa; quando chegou, o sashimi estava assado. Meu amigo! Aqui em casa os quadros estão suando tinta. Em cada lugar que eu paro deixo uma poça de mim. Essa noite sonhei que era Joana d’Arc, pode uma coisa dessa? Entrei na sala e tinha uma planta se abanando com as próprias folhas. É engano meu ou as paredes estão se envergando? Me distraí parado e o sapato grudou no piso, só saí porque me descalcei. Mas tudo bem. Fui na janela agora e lá vem um paredão de nuvens de chumbo, crescendo por cima dos prédios. Acho que agora as coisas vão melhorar.
Ph em Oda, BT!
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Para eu publicar esta mensagem tenho que provar que não sou um robô. Só pode ser piada asimoviana!