Tempos atrás, durante um trabalho que fiz para TV, vi
dezenas de entrevistas com estrangeiros que vivem no Brasil ou que conhecem bem
nosso país. Perguntava-se a eles por que
motivo gostavam do Brasil, dos brasileiros, o que achavam que havia de especial
em nossa terra. Algumas respostas
repetiam-se, com insistência. Uma delas era
que os brasileiros são geralmente alegres, “inclusive os pobres”, diziam eles
com espanto.
O que faz pessoas muito pobres serem alegres? E a questão não
é apenas serem pobres, é estarem mergulhados em outros problemas, resultantes
ou não da pobreza: doença, violência, etc. Ainda assim, uma grande parte dessas
pessoas (claro que não são todas) consegue, no meio dos problemas, rir,
brincar, dizer piadas ao longo do dia, reunir-se para cantar, dançar, etc. Visitantes que vêm de países mais ricos e mais
soturnos ficam perplexos diante dessa aparente alienação. Já ouvi comentários
tipo “se não passassem o domingo tocando violão e bebendo cachaça, talvez já
estivessem numa situação financeira muito melhor!”. Pra vocês verem o quanto
gente rica pode ser obtusa.
Acho que esses pobres descobriram uma coisa elementar: o
nosso estado de espírito (alegria ou tristeza) resulta em grande parte de uma
decisão nossa. É decisão nossa ficar alegre ou ficar triste. Como quem diz: “Já
que estou lascado, pelo menos vou ficar alegre durante algum tempo, pra
desgraça não ser completa”. E ficam de fato alegres, mas não devido ao violão e
à cachaça. Ficam porque escolheram. Por outro lado, um sujeito mais “bem de
vida”, com casa própria, com poupança, bem de saúde, etc., pode perder o
emprego e ficar em depressão, mesmo sem problemas urgentes batendo à sua porta.
A depressão é também uma decisão sua, mesmo que seja uma decisão meio
inconsciente. Ele está mergulhado numa ética meio calvinista, de que “o
trabalho enobrece”, de que nossa existência se define pelo trabalho que
executamos. E quando o cara está sem trabalho sente-se inferiorizado, amputado,
impotente. E para ele a reação moralmente correta é entristecer-se com isso. No
Japão, p.ex., acontece muito.
Deve haver uma equação para isso :)
ResponderExcluirBom dia.
O seu último parágrafo sintetiza com precisão a maneira como a alegria/felicidade/gozo é valorizado(a), em contraposição à tristeza/infelicidade/sofrimento, nas diferentes culturas. Eu mesma, como venho de uma cultura diferente da brasileira, sofro com essa dicotomia entre "pegar leve" e "pegar pesado".
ResponderExcluirE já conheci uma senhora bastante pobre, que driblava a sua falta de recursos simplesmente mudando os parcos móveis de lugar. Às vezes era o fogão que ocupava o lugar do sofá; o sofá que trocava de lugar com a cama. E, com esses pequenos rearranjos, eu sentia que ela se contentava.
Excelente análise, Bráulio!
Muito interessante tudo isso, Bráulio! Mas hoje essa alegria está muito anexada a situações de consumo e padrões mais delicados, digamos assim. Exemplo: antes, para festejar com amigos, bastava cachaça, que é um produto popular e barato. Hoje, só se quer cerveja e a pé ninguém anda mais. Pouco a pouco, o mercado vai industrializando essa natural alegria. Assim, ela pode diminuir, como o tempo.
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