Foi o filme mais desconcertante e provavelmente o melhor que
vi este ano; não sei se muitos leitores terão chance de vê-lo, porque está em
cartaz numa das salinhas menores do Estação Botafogo. Dirigido pelo francês
Leos Carax, Holy Motors é uma sucessão de cenas bizarras amarradas por uma
estranha lógica, como acontece em filmes de Buñuel, David Lynch ou Emir
Kusturica. Não é bem um filme fantástico – com poucas exceções, as coisas
bizarras que mostra poderiam acontecer em nosso mundo, pois não violam as leis
naturais. Mas qual a probabilidade de um sujeito entrar num café atirando,
matar (aparentemente) um executivo de terno que está numa mesa com amigos, ser
morto (aparentemente) pelos seguranças da vítima, e depois ir embora como se
nada tivesse acontecido? É Buñuel puro,
e lembra aquela antiga frase de André Breton, de que o ato surrealista mais
simples seria empunhar um revólver e sair pela rua alvejando pessoas a esmo.
Ao longo de um dia e uma noite, Oscar (Dennis Lavant)
percorre Paris dentro de uma limusine branca cujo interior é um camarim com
espelhos, luzes, figurinos, maquiagem, etc. Ali dentro ele troca de rosto, de
cabelo, de roupa – e desce (depois de estudar um dossiê de informações) para
“encontros” que em geral são cenas surrealistas, insólitas. A cada novo
encontro, o espectador fica se perguntando qual o propósito daquilo tudo, até
porque as outras pessoas envolvidas dão mostras de serem, também, atores
interpretando papéis para aquela situação específica.