(ilustração: John Schoenherr)
O fantástico e a ficção científica se baseiam numa retórica
em que, como observou Samuel R. Delany, expressões metafóricas são usadas de um
modo literal. Na literatura comum, expressões como “voltar ao passado”, “virar
bicho”, “ser um morto-vivo”, “atravessar paredes”, “ler o pensamento” são
metáforas. No fantástico e na FC, tudo isto acontece ao pé da letra. Ademais,
essa retórica especial combina palavras comuns para formar sentidos
inesperados, e Delany dá o célebre exemplo da frase de Heinlein: “The door
dilated”. A porta se dilatou. O leitor de FC deve ser alguém capaz de imaginar
um mundo em que as portas são aberturas na parede que se dilatam e depois se
fecham de novo.
Uma imagem como “pistola de raios desintegradores” (anos
1920?) é um produto dessa retórica, concebido numa época em que “pistola” era
algo banal, e “raios” eram um aspecto do mundo físico intensamente estudado
pela ciência, resultando em descobertas divulgadas pelos jornais (mais do que
hoje, aliás). A noção de que raios pudessem desintegrar não era absurda,
portanto, e o fato de poderem ser produzidos (por que fonte de energia? com que
tipo de controle?) em algo do tamanho de uma pistola era uma conveniência
narrativa. A literatura mainstream não dispunha dessas licenças retóricas.
Tinha que se restringir ao já existente, ou ao que um dia existira.