(foto: Yves Lecoq)
“Eu, Padre Martinovic, nos derradeiros instantes de minha
vida terrena, rumo ao castigo eterno que espera minha alma, redijo estas linhas
para que se faça luz e verdade sobre os acontecimentos que infelicitaram o ducado
de Nevroskni, em cuja paróquia preguei por 43 anos. Sabe-se que o Duque era um
homem severo e recluso, e que suas propriedades tinham se reduzido a algumas
léguas de terra e um pequeno castelo. No outono de 1645, o Cavaleiro de
Peshkar, enviado do Rei Marvinius IV, apresentou-se ao Burgomestre. Segundo
ele, a corte fervilhava de suspeitas de que o Duque, cuja propensão às ciências
ocultas era notória, teria sido infectado com a praga do vampirismo. O Burgomestre
convocou às pressas o Conselho dos Anciãos, e todos ponderaram que nos últimos
anos numerosos aldeões tinham desaparecido sem explicação, e que alguns corpos
tinham sido encontrados com as marcas vampíricas na garganta, levando as
autoridades a performar o ritual cabível e sepultá-los em tumbas protegidas.
Diante da gravidade das acusações, o Burgomestre designou dois cidadãos locais,
o ferreiro Olink e o mercador Ambudrys, homens expeditos e corajosos, para acompanharem
o Cavaleiro de Peshkar ao castelo. Ao retornar da incursão, os três trouxeram notícias
terríveis. Entrando no castelo às escondidas, haviam encontrado no porão um
cenário nefando de objetos sacrílegos, e num ataúde cheio de terra o Duque,
adormecido, com a boca manchada de sangue. Uma expedição punitiva foi montada
às pressas, incluindo o Burgomestre, alguns membros do Conselho, os três
emissários autores da descoberta, e eu próprio, como representante da Igreja. Persigno-me
novamente ao repetir que tudo foi encontrado conforme o relato dos três
investigadores, e que o horror que sentíamos não nos impediu de cumprir nosso
dever cristão de dar a pacificação final àquela alma mediante a estaca, a
decapitação, o fogo e a aspersão de água benta sobre as cinzas. A paz voltou a
reinar no Ducado. O Rei outorgou ao Cavaleiro de Peshkar o castelo e os
domínios do anticristo extinto; o ferreiro Olink e o mercador Ambudrys
receberam títulos nobiliárquicos. E no inverno de 1645, coube-me ministrar a
unção final a este último, que me confessou terem eles, mancomunados com o
Cavaleiro, subjugado e narcotizado o Duque e preparado o cenário demoníaco do
porão, inclusive o sangue na boca da vítima, para justificar sua execução
sumária. Isto me foi dito em segredo de confissão, mas é um segredo pesado
demais para que eu o leve comigo para o lugar que me espera por trair os
sacramentos de Deus e revelar aos homens essa verdade, antes de pôr um merecido
fim aos meus dias”.