(Pawla Kuczynskiego)
Freud dizia que o dinheiro não
traz felicidade porque não é um desejo de infância. Talvez seja por isto que a
posse de um automóvel enche de lágrimas felizes os olhos de tantos brasileiros.
Desde os primeiros cambaleios infantis esses pobres diabos são induzidos a
puxar por um cordão uma traquitana qualquer com quatro rodas e a produzir
onomatopéias tipo rom-rom-rom e pi-biiit.
Para milhões desses desventurados, o
carro torna-se o mais multifuncional dos símbolos. Ele é rito de passagem para
o mundo adulto, é diploma de ascensão social, é triunfo tecnológico sobre o
Espaçotempo, é alcova sobre rodas, é escafandro protetor contra os esbarrões da
plebe, é talismã semiótico, é prótese locomotora em quatro dimensões...
O verbo
ser é um conceito abstrato, metafísico, mas ganha carne, osso e metal com este sinônimo
reluzente: “ter um carro”.
Muitos amigos meus dizem que
pagariam qualquer preço por um frasco de perfume com “cheiro de carro novo”, e
só não mango porque eu, por exemplo, gosto de cheiro de livro velho (mas não,
não compraria um frasco de perfume, compraria um livro velho – como se tivesse
poucos).
E assim não é difícil entender
porque nossas cidades não funcionam, nosso transporte público é uma porcaria,
nossos urbanistas fazem as pessoas se adaptarem ao trânsito e não o contrário.
Diz-se mundo afora que “país rico não é aquele onde pobre tem carro, é aquele
onde rico anda em transporte público”.
Duvido que vejamos o Brasil ser assim um dia. O sonho dos governos brasileiros
e da indústria brasileira é termos um dia 200 milhões de carros para 200
milhões de pessoas. E as cidades que se explodam.
A psicose automobilística endivida milhões de famílias
hipnotizadas pela fantasia de ascensão social e inviabiliza as cidades. Cidades
deformadas e desfiguradas pela ideologia individualista do cada-um-por-si, onde
usar transporte público ou é uma tortura (onde ele é entregue às baratas) ou é
humilhante mesmo onde ele tem boa qualidade. Refugiar-se no carro é a
derradeira ilusão da classe média. Ela imagina estar melhorando de vida e está
apenas trocando a pobreza por uma engorda-para-abate, uma espécie de
empobrecimento financiado que a leva a trabalhar e produzir cada vez mais para
ficar com cada vez menos.
Quando o lógico se desbarata diante dos olhos, vejo a unanimidade dizer que "tô pouco me lixando pra isso tudo".
ResponderExcluirBelo texto, concordo plenamente.
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