domingo, 9 de setembro de 2012

2972) Os precogs de Dick (9.9.2012)


(Philip K. Dick)


Em Realidades Adaptadas, coletânea de contos de Philip K. Dick (Ed. Aleph, 2012), aparecem alguns contos do princípio da década de 1950 em que Dick começou a fazer experiências com os personagens a que viria a chamar de “precogs”, pessoas dotadas de precognição, a capacidade de adivinhar o futuro. A palavra “adivinhar”, neste caso, é um barbarismo, e a usei apenas para denunciar o quanto os maus hábitos verbais prejudicam nossa capacidade de entender as coisas. Adivinhar é pensar numa coisa de maneira meio aleatória, sem justificativa, sem nenhum esforço especial, e aquilo depois se revela verdadeiro. Não é isso que acontece com os precogs de Dick. O conto “Relatório Minoritário” (que deu origem ao filme Minority Report, de Spielberg) ajudou muito a popularizar esse conceito.  Os precogs são capazes de antever os diversos futuros possíveis a partir de um determinado momento; enquanto certos atos não são praticados, vários resultados podem coexistir.  O presente, para eles, é como um dado rolando, só que eles conseguem perceber que há mais fatores induzindo que dê, por exemplo, o 2 e o 5 do que o 4 ou o 3 – e essas condições mudam sem parar, a cada minuto que passa.

O que acontece, segundo Dick, é que esses futuros possíveis são instáveis. A melhor comparação com isso, na vida real, é a cobrança de um pênalti no futebol. Quando o jogador parte para a bola, várias coisas podem acontecer, na verdade estão a “um tantinho assim” de acontecer, mas estão sujeitas a micro-decisões que o chutador e o goleiro tomarão nos segundos finais.  No conto de Dick, os três precogs que trabalham para a polícia preveem os crimes antes que eles sejam cometidos, mas nunca há 100% de certeza de que o crime acontecerá, como no pênalti não se tem certeza de que o gol acontecerá. Daí que a visão de cada “precog” dê origem a um relatório sobre esse crime possível, e quando dois desses relatórios (a maioria) coincidem, a polícia entra em ação para fazer com que o crime não aconteça. A trama do conto de Dick é baseada na existência do terceiro, o “relatório minoritário”, que ele usa para tornar o enredo mais surpreendente, cheio de reviravoltas.

O filme de Spielberg foi um dos poucos casos em que a idéia original de Dick foi respeitada, encorpada e aperfeiçoada. O uso de painéis holográficos superpostos para representar as visões dos precogs é notável, e transmite bem a idéia sugerida por Dick de que o futuro já existe neste momento presente, mas existe num estágio de larva, de embrião, alguma coisa frágil e trêmula que luta para se impor e acontecer; e cada futuro que acontece sacrifica a existência de todos os demais.

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