quarta-feira, 18 de julho de 2012

2926) Viagem à Terra Oca (18.7.2012)



Um bom exemplo de como a Humanidade acaba realizando, por vias transversas, seus sonhos mais profundos, é a história de Archibald DeVane, um industrial de família tradicional de Minneapolis, que, como muitos dos seus contemporâneos, acreditava na Teoria da Terra Oca. 

Filho de um casal de rígida moral puritana, DeVane acreditava com fervor naquela controvertida hipótese científica.

As fotos da época mostram um indivíduo alto, bem apessoado, de espessa barba negra, vestido com sobriedade e bom gosto. Nunca aparece sorrindo, e sempre encara a câmera com olhos intensos. O remo e a equitação eram suas atividades de lazer preferidas. Entre suas leituras, além das obras científicas relacionadas a seu interesse principal, apreciava as obras sobre mitologia.

DeVane trabalhava com disciplina monástica. Montou e desenvolveu uma indústria de enlatados. Todo seu esforço tinha como objetivo financiar uma expedição científica capaz de comprovar a veracidade da teoria da Terra Oca e tornar-se assim um benfeitor da humanidade. (DeVane viveu numa época, o século 19, em que tornar-se um benfeitor da humanidade era um objetivo mais inteligível do que “ficar famoso”.) 

Havia duas maneiras, nos anos 1890, de tentar comprovar essa Teoria.

A primeira era fazer uma expedição marítima ao Polo Norte, onde se acreditava existir um enorme abismo que sugava para dentro de si a água dos oceanos, transferindo-a para o interior da Terra, onde elas banhavam os continentes subterrâneos. (A teoria explica que essa água retorna à nossa superfície graças a milhões de fontes subterrâneas, ou a aberturas no fundo dos nossos oceanos.)

DeVane optou pela segunda solução: a escavação de um túnel que a certa altura romperia a crosta interna do planeta, permitindo ao grupo de aventureiros emergir nessa nova superfície que se situa pelo avesso da nossa. 

Depois de uma ampla pesquisa assessorada por geólogos de renome, foi escolhida uma região na Carolina do Norte, e tiveram início as escavações. Ali seria descoberto um Novo Mundo, onde existia (segundo versões conflitantes) o Eldorado, ou uma Utopia naturalista e espiritualizada, ou uma floresta sem fim com fauna e flora deslumbrantes, ou o refúgio final da Tribo Perdida de Israel.

Todo sonho é pouco para um sonhador capaz de financiar a si próprio. Quando as escavações já iam com cem metros de profundidade, DeVane viajou a Londres para fechar uma parceria com a Landmark & Co., empresa de engenharia e construções que lhe fora recomendada pelo embaixador norte-americano na Grã-Bretanha.

Em sua primeira reunião, conseguiu a adesão da presidente, Mrs. Willoughby, uma viúva riquíssima cujo objetivo na vida era dar um bom uso para o dinheiro deixado pelo falecido esposo, um plutocrata octogenário.

Logo nas primeiras reuniões, e nos primeiros jantares, os dois descobriram terem gostos em comum: a pintura de Bouguereau e de Alma-Tadema, as óperas de Puccini, a astronomia amadora.

Entusiasmada pelo entusiasmo de DeVane, ela propôs que os dois fossem a São Petersburgo contratar uma empresa russa de engenharia que trabalhara na construção do Canal de Suez.

Ali, os dois visitaram o Museu Armitage, os melhores restaurantes, e conviveram com a fina flor da aristocracia russa. Depois, em Paris, visitaram o Louvre, dialogaram com Lesseps; passaram um carnaval em Veneza; veranearam durante meses em Ibiza; dançaram valsa em Viena; e certa tarde, quando repousavam numa suíte em Casablanca, chegou um telegrama urgente. DeVane rasgou o invólucro e murmurou, enquanto lia: 

-- Canteiros parados? Milhões em prejuízo? Terra Oca? Mas, de que demônios esse imbecil desse advogado está falando?!...





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