segunda-feira, 9 de julho de 2012

2918) "Memorial de Aires" (9.7.2012)








É o que chamam de “o romance crepuscular de Machado”.  A viuvez do protagonista deste romance é a mesma do escritor, a viuvez sem filhos, que aliás é um dos temas centrais do livro, tanto quanto o amor entre dois jovens que (a julgar pelo narrador) parecem ter sido feitos um para o outro.  Reli agora esse livro, se é que o li todo aos vinte e poucos anos.  Dele só me lembrava que nele não acontece nada.  Aqueles chás contemplativos de fim de tarde entre uma porção de gente com cabelos brancos e roupas pretas européias.  O mundo descrito por um introspectivo. E os personagens realistas de Machado mantêm pelo menos um elo em comum com os personagens de folhetim: parecem amarrados a um destino de ferro.  Os personagens do melodrama eram pessoas desesperadas que veem a vida ser destruída por forças que elas não conseguem sequer imaginar; os personagens realistas veem sua vida destruídas por eles mesmos.  Profetizam, contemplam, descrevem, choram, celebram, rememoram a própria destruição.  Mas não a evitam.  Estava escrito.

A expressão “estava escrito” sugere a imagem de algo gravado com cinzel no mármore ou escrito a laser no metal.  Comparada à palavra falada, a palavra escrita parece ter um peso de infalibilidade.  O Memorial, que é um diário mantido pelo Conselheiro Aires entre 1888 e 1889, é o contrário da palavra impressa.  Mal nos dá conta do que acontece no país, quanto mais no mundo.  O Conselheiro, diplomata aposentado, sexagenário, sujeito caladão e observador, vem a conhecer uma jovem viúva, e fica meio balançado para o lado dela.  Aproxima-se dela, que é meio filha adotiva de um casal idoso e sem filhos, os Aguiar.  O Conselheiro escreve comentando que sabe que após sua morte alguém vai ler aquelas páginas. Conta-nos a história de como um outro meio filho adotivo dos Aguiar, o jovem Tristão, voltou de Portugal (onde morava há muitos anos).  Tristão e Fidélia (a jovem viúva) são o casal de filhos quie os Aguiar nunca tiveram. O Conselheiro frequenta os saraus, conversa, ouve os jovens tocando piano, e de volta a casa lamenta não ser músico. Seu espetáculo é aquele casal que parece se aproximar por uma fatalidade simétrica do destino humano.

Há algum reflexo biográfico em três casais: os Aguiar, os jovens Tristão e Fidélia, e o narrador e sua irmã Maria Rita.  Machado tinha enviuvado há poucos anos, e não acho que teve irmã.  Maria Rita é meio fofoqueira, é um pouco a irmã do Dr. Shepard, o narrador não confiável de O assassinato de Roger Ackroyd (1926) de Agatha Christie.  Brás Cubas, Dom Casmurro, Aires: todos três parecem corresponder a um arquétipo oracular que um escritor produz para si próprio, o da velhice a sós.

2 comentários:

  1. Fã de Machado, e precisando reler o que há de mais pop em sua obra, penso que o memorial é um livro enfadonho da peste kkkkkkkkk mas concordo com vc em partes na idealização do escritor versos a velhice solitária.

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  2. Só é enfadonho quando temos a expectativa de que aconteça algo inesperado entre aquelas pessoas. Quando percebemos que tudo ali "estava escrito" nosso interesse se voilta para o modo como o narrador aceita o irremediável. Parece com "A Idade da Inocência", o filme de Scorsese baseado em (acho) Edith Wharton. O personagem deixa-se amarrar passivamente a um destino que não é o que ele queria.

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