É o que chamam de “o romance crepuscular de Machado”. A viuvez do protagonista deste romance é a
mesma do escritor, a viuvez sem filhos, que aliás é um dos temas centrais do
livro, tanto quanto o amor entre dois jovens que (a julgar pelo narrador)
parecem ter sido feitos um para o outro.
Reli agora esse livro, se é que o li todo aos vinte e poucos anos. Dele só me lembrava que nele não acontece
nada. Aqueles chás contemplativos de
fim de tarde entre uma porção de gente com cabelos brancos e roupas pretas
européias. O mundo descrito por um
introspectivo. E os personagens realistas de Machado mantêm pelo menos um elo
em comum com os personagens de folhetim: parecem amarrados a um destino de
ferro. Os personagens do melodrama eram
pessoas desesperadas que veem a vida ser destruída por forças que elas não
conseguem sequer imaginar; os personagens realistas veem sua vida destruídas
por eles mesmos. Profetizam,
contemplam, descrevem, choram, celebram, rememoram a própria destruição. Mas não a evitam. Estava escrito.
A expressão “estava escrito” sugere a imagem de algo gravado
com cinzel no mármore ou escrito a laser no metal. Comparada à palavra falada, a palavra escrita parece ter um peso
de infalibilidade. O Memorial, que é um
diário mantido pelo Conselheiro Aires entre 1888 e 1889, é o contrário da
palavra impressa. Mal nos dá conta do
que acontece no país, quanto mais no mundo.
O Conselheiro, diplomata aposentado, sexagenário, sujeito caladão e
observador, vem a conhecer uma jovem viúva, e fica meio balançado para o lado
dela. Aproxima-se dela, que é meio
filha adotiva de um casal idoso e sem filhos, os Aguiar. O Conselheiro escreve comentando que sabe
que após sua morte alguém vai ler aquelas páginas. Conta-nos a história de como
um outro meio filho adotivo dos Aguiar, o jovem Tristão, voltou de Portugal
(onde morava há muitos anos). Tristão e
Fidélia (a jovem viúva) são o casal de filhos quie os Aguiar nunca tiveram. O
Conselheiro frequenta os saraus, conversa, ouve os jovens tocando piano, e de
volta a casa lamenta não ser músico. Seu espetáculo é aquele casal que parece
se aproximar por uma fatalidade simétrica do destino humano.
Fã de Machado, e precisando reler o que há de mais pop em sua obra, penso que o memorial é um livro enfadonho da peste kkkkkkkkk mas concordo com vc em partes na idealização do escritor versos a velhice solitária.
ResponderExcluirSó é enfadonho quando temos a expectativa de que aconteça algo inesperado entre aquelas pessoas. Quando percebemos que tudo ali "estava escrito" nosso interesse se voilta para o modo como o narrador aceita o irremediável. Parece com "A Idade da Inocência", o filme de Scorsese baseado em (acho) Edith Wharton. O personagem deixa-se amarrar passivamente a um destino que não é o que ele queria.
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