Matei três deles em combate leal, mas minha
arma se partiu e o último conseguiu me derrubar, já exausto. Quando voltei a mim estava com os braços
amarrados às costas, enquanto ele me
puxava por uma corda, encosta acima, até a cratera. “Não quis ofender
ninguém”, falei, mais uma vez, achando que não entendiam meu modo de pronunciar
sua língua. “Não sabia que era um Santuário”.
Ele parou, recolheu a corda com rapidez, fazendo-me cambalear na sua
direção, e me esbofeteou várias vezes. Era um homem enorme, e apesar de idoso
devia ser muito mais forte do que eu.
Continuamos subindo. Eu sabia onde estava.
Tinha a idade em que a curiosidade satisfeita produz um intenso prazer, como se
o simples fato de ter previsto uma coisa e ela de fato acontecer me
transformasse numa espécie de Deus.
“Ouvi dizer que são eternos, que nunca morrem”, falei. “Não”, disse ele,
e continuou, num tom de quem aceita algo sem compreendê-lo: “São como nós, só
que seu arco de existência é muito mais amplo. Sua infância é longa, e sua
velhice também. Assim como durante alguns anos nós precisamos ser protegidos de
tudo, eles precisam de proteção durante alguns séculos, até se tornarem o que
são.”
Uma criatura com infância interminável,
exposta, sujeita a ataques. Isso não
tornaria inteligente qualquer espécie?
Não é de admirar que quando ficam prontos nos pareçam onipotentes,
avassaladores. Uma criatura capaz de
avaliar situações corretamente, prevenir-se, proteger-se. Mas quando infantes não podem se proteger
dos que além de inteligentes são curiosos, e além de curiosos são cruéis. Eu não estava ali para constatar sua
existência, que já era sabida. Estava
ali para matar um deles e levá-lo comigo, para provar que eram mortais como
nós, que podiam ser observados, compreendidos, combatidos, derrotados. Para mostrar que nenhum inimigo é um Deus.
O homem finalmente se deteve. Sentou numa pedra à beira de um barranco e
me puxou. Parei ao seu lado. A pedra da montanha se lascava bruscamente e
descia, centenas de passos, numa face lisa e abrupta. Olhei para a cratera e vi
aquela massa pulsante. A cavidade era feita de um calcário amarelado, e as
formas pegajosas se aglomeravam em alguns pontos dela, como caroços numa romã.
Arrastavam-se tateando, fugindo ao sol que reluzia em suas mucosas expostas,
aninhavam-se uns aos outros para se proteger, cegos sob aquela luz. Não eram dragões. Eram as criaturas vistas
pelos primeiros que usaram essa palavra. Meu captor arrastou-me até um trecho,
creio que a sudoeste. Abaixo, um manancial que escorria da rocha produzia um
lodo espesso onde umas cem criaturas flutuavam. Ali ele me atirou.
Parabéns meu caro, ótimo texto.
ResponderExcluirBom texto!Parabéns!
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