Dizem os que conheceram Carlos Drummond que ele era um
desses paqueradores meio tímidos, que ficam circulando pela rua, de olho nas
moças que passam. Não sei se isso é
verdade ou se é uma auto-sugestão das testemunhas, influenciadas pelos inúmeros
poemas em que o autor se descreve fazendo exatamente isto. Circular pelas
avenidas cheias de gente, sempre de olho atento nos atributos das moças em
volta, seguindo esta ou aquela no mesmo passo, é uma grande Arte; ainda mais
quanto o poeta é mineiro, casado e não tem intenção de fazer assédio, de
incomodar, de abordar moças na rua. Ele
não quer “nada além de uma ilusão”.
“Moça e Soldado” é um dos poemas do seu livro de estréia
(Alguma Poesia, 1930) em que ele se dedica a esse esporte. “Meus olhos espiam
/ a rua que passa. / Passam mulheres, / passam soldados”. O detalhe cinematográfico do poema é a
angulação voltada para baixo, rumo às pernas dos passantes: “Meus olhos espiam
/ as pernas que passam. / Nem todas são grossas... / Meus olhos espiam. /
Passam soldados. / ...mas todas são pernas.”
De olhos baixos, o poeta se livra de cruzar os olhos com as possíveis
ofendidas, e aproveita para avaliar o torneado das pernocas. No “Poema de 7 faces” que abre o livro, ele
já se perguntava: “Pra que tanta perna, meu Deus?”.
O poema faz o paralelo constante entre as “moças bonitas
feitas para namorar” e os “soldados barbudos feitos pra brigar”. A época era de conflagração política, e
aquelas ruas deviam ser de vez em quando invadidas por soldados, ora
desfilando, ora de folga. E o poeta compara as pernas que passam marchando ao
som de “tambores e clarins”, e as pernas que simplesmente passam. Passam para brigar, e passam para namorar; e
Drummond conclui com sua melancolia recorrente: “Só eu não brigo. / Só eu não
namoro”. Essas duas provas de
masculinidade lhe são vedadas; ele inveja os soldados, deseja as moças, mas
pressente que os dois existem num mundo mais saudavelmente animal do que o
dele.
Este espírito de paquerador peripatético seria mais bem
descrito por Drummond em seu livro seguinte, Brejo das Almas, no poema “O
procurador do amor”, onde ele diz: “Meu olhar desnuda as passantes. / Às vezes
um bico de seio / vale mais que o melhor Baedeker”. Baedeker eram os famosos guias turísticos do
começo do século, publicados na Alemanha, muito ricos em informação. Ele diz:
“O andar, a curva de um joelho, / vinco de seda no quadril / (não sabia quanto
eras pura), / faço a polícia dos ‘dessous’”. O termo francês tanto se refere à
parte de baixo quanto às roupas íntimas femininas. Que o poeta flâneur não
perdia de vista nem de imaginação.
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