Procurei o meu Mestre logo após o trimestre das Cerejeiras,
e o encontrei lavando folhas de chá. “Olá, Kagyu. Ouvi dizer que teu pai havia
sido preso”. Ainda ofegante pela subida da encosta, respondi: “Por dois dias
apenas, mestre, e logo foi solto. Houve
um equívoco”. “Um equívoco?!” disse ele.
“A prisão ou a soltura?”. Expliquei: “Confundiram-no com alguém que tinha
agredido uma família, mas ele foi solto assim que um dos agredidos concordou em
fazer o reconhecimento”. “O que poderia
ter acontecido dois dias antes”, observou ele. “Claro, mas quem somos nós para
discutir com a lei”, disse eu. Pobre só
tem razão quando pede desculpas.
O mestre perguntou a razão da minha vinda. Expliquei que
decidira tornar-me um contador de histórias, não um sacerdote. “Bastaria essa
frase para comprovar que tens pelo menos metade da razão”, disse ele, “porque
nenhum homem com vocação de sacerdote diria o que acabas de dizer. Se serás
contador-não-sei-das-quantas é problema teu, mas sacerdote não tens a menor
condição de ser”. Acolhi com resignação
aquelas palavras que já esperava e beijei-lhe a mão. “Mestre”, continuei, “deves
lembrar que ainda me deves uma resposta”. “Sem dúvida, disse ele, “porque
dei-te a nona resposta no Mês do Vento passado, era algo que dizia respeito a
um silogismo, não?” Ele virou-se meio impaciente e saiu andando. Acompanhei-o na direção do pequeno pavilhão
onde ele tinha sua oficina manual. “Sim, mestre”, insisti, “mas quero saber só
mais uma coisa”. Segurei-o pelo braço,
mesmo vendo-o apressado. Mas eu tinha
que perguntar aquilo. “Como se conta uma história?”.
Ele parou, olhou em volta, apontou uma pedra no jardim.
“Estás vendo aquela pedra, que parece tão pesada, tão sólida?” “Sim”, respondi.
“Achas que posso fazê-la levitar?” Encolhi os ombros: “Mestre, como posso
saber?”. “Então, olha”, disse ele.
Fiquei olhando para a pedra. Em algum momento me pareceu que ela
estremecera, que se movera um pouquinho de nada, mas fiquei o tempo todo
atribuindo aquilo à auto-sugestão. “Chega”, disse ele, relaxando os ombros, e
me conduzindo-me pelo braço encosta acima. “Por quanto tempo olhaste a pedra?”,
perguntou. “Não sei, uns dois minutos talvez”, respondi. “De que cor era ela?”,
perguntou ele. Meu estômago se fez silêncio e minha mente se fez um branco.
“Cor?”, perguntei. “Desculpa”, disse ele, “esqueci de avisar antes qual a
pergunta que iria fazer”. Deu-me um tapa
no ombro que me fez balançar. “E agora que encerramos a nossa atividade
docente, vamos almoçar. Minha sacerdotisa pessoal preparou ninhos de andorinha
à mongol, um prato especial para quem conhece sua origem”.
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