terça-feira, 29 de maio de 2012

2882) Games e literatura (29.5.2012)



Discussão constante no universo dos games: conciliar a estrutura fixa de um romance preexistente e a estrutura aberta de um game (cujo desfecho é uma consequência das ações do jogador).  

Num universo que tem cada vez mais adaptado obras literárias (Agatha Christie, Conan Doyle, até Dante Alighieri já foram transpostos para videogames) essa questão é crucial.  E ela se parece com uma das questões filosóficas mais sérias do mundo real: Existe o Destino? Nossas vidas são programadas de antemão, ou são nossas ações que determinam o futuro?  

Ontem mesmo vi o Fluminense ser eliminado da Libertadores com um gol no último minuto; um jogador afirmou, desconsolado: “Hoje era o dia deles”. Claro que ele se matou em campo tentando ganhar; mas, como nos comportaríamos sabendo que, não importa o nosso esforço, o fim da história é predeterminado?

Este é o problema com a transposição para os games de obras preexistentes (claro que romances futuros poderão ser escritos de outras formas).  O livro-que-já-existe é um universo governado por um Destino inarredável, pela lei do “estava escrito”. 

Num game de Madame Bovary, de O Tempo e o Vento ou de 20 Mil Léguas Submarinas não existe espaço para o livre arbítrio, não há chance de que toda aquela atividade do jogador tenha a mínima influência no resultado. Um final diferente seria a própria negação do livro original. Uma Madame Bovary com final feliz? Isso é Flaubert?!

Um artigo de Matthew Wasteland avalia a possibilidade de adaptar, digamos, Moby Dick. Ele sugere por exemplo, que seja mantido o essencial do enredo, e que nos intervalos o jogador possa navegar, caçar baleias, meter-se em aventuras, etc.  

Para muitos, no entanto, isso seria uma enganação.  O final estaria pré-fixado, igual ao livro: o Capitão Ahab consegue arpoar a baleia mas é arrastado para o fundo do mar, e Ismael, o narrador, sobrevive “para contar a história”.  Todo o esforço do jogador para chegar a outro final teria sido desnecessário, inútil, porque desde o começo estava estabelecido que “era o dia da baleia”. Mas ele diz: 

“Se Melville tiver acenado com a possibilidade, mesmo a mais remota, de que Ahab vença, a mensagem do livro e sua interpretação podem mudar. Ao invés de destino e fatalidade, estaremos falando de probabilidade e sorte”. 

Imagino que não deva ser difícil conceber um game de tal forma que haja 10% de chance de que o capitão mate a baleia, desde que o jogador tome as decisões adequadas ao longo do jogo. 

Pelo visto, os games se prestam mais a adaptar romances pós-modernos, ambíguos, sujeitos a muitas interpretações, onde nunca se pode dizer com certeza “o que de fato aconteceu”.








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