Em 1912, Augusto dos Anjos, um modesto professor de escolas públicas, pediu uma grana emprestada ao irmão, juntou com algumas economias que vinha guardando, e publicou seu único livro de poemas: Eu.
Esse título minúsculo e gigantesco parecia o anúncio de
um enorme narcisismo, mas era o contrário disso. O poeta fala de si, mas sem nada dos suspiros
afetivos e dos arroubos emocionais dos sonetos de seus contemporâneos. A impressão que se tem é que o Eu do título é o Universo, e o poeta que
assina o livro não passa de um simples amanuense escolhido para ser seu
porta-voz. A vastidão cósmica de suas imagens lembra Arthur C. Clarke e Stanley
Kubrick.
Augusto dos Anjos é
o primeiro poeta de ficção científica do Brasil, e o maior, até hoje. Seus poemas são tentativas de visualização de
milhões de anos de história das espécies vivas, num Cosmos de forças obscuras ao
qual ele, num esforço lírico compreensível, procura muitas vezes atribuir uma consciência
semelhante à consciência humana.
Leituras filosóficas e científicas se misturam
nos seus versos com uma ambientação urbana repleta de mendigos, prostitutas,
cães vadios, tuberculosos, bêbados, urubus.
Entre a nobreza decadente dos engenhos da Zona da Mata e o panorama sombrio
e insalubre das cidades que conheceu (João Pessoa, Recife, Rio de Janeiro) sua
poesia mistura influências contraditórias e até hoje únicas em nossa
literatura.
É como ter Olaf Stapledon, o
autor de Star Maker, caminhando pelos becos por onde caminharam Lima Barreto e
João Antonio.
Augusto não foi
imune ao lirismo do seu tempo, aos modismos do seu tempo. Basta ver suas Poesias Completas para
perceber que ele podia ser tão piegas quanto qualquer outro poeta daquele
momento. Era capaz do mesmo sentimentalismo açucarado, do mesmo romantismo
da-boca-pra-fora, composto de clichês verbais e de sinetas pavlovianas
destinadas a emocionar os leitores já familiarizados com elas. Mas ao recolher uma pequena parte de sua
produção para compor o Eu, o poeta acertou em praticamente tudo. Seu senso crítico lhe indicou com clareza em
que pontos era diferente dos seus contemporâneos – e superior a eles.
Cada poema ali contido é um paralelepípedo de
novidade numa balança crítica que só servia para comparar pozinhos de um
lirismo homeopático. O único “defeito” do Eu é não poder ter incluído poemas
importantes que Augusto escreveu entre 1912 (ano em que o livro saiu) e 1914,
ano de sua morte. (Acho que eu teria incluído alguns poemas pré-1912 também,
mas é mero detalhe.)
O que impressiona no único livro de Augusto não é o quanto
foi novo quando surgiu, é o quanto ainda é novo cem anos depois.
Formidável!
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