Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 11 de fevereiro de 2012
2790) O charme das ruínas (11.2.2012)
Multiplicam-se na Internet os saites de fotos de lugares abandonados. São hospitais, hotéis, aeroportos, fábricas, colégios... Edifícios enormes e vazios, esquecidos, invadidos pelo mato, perdendo teto e paredes com a ação do vento e da chuva.
Muitos ainda guardam resíduos da presença humana: roupas nas gavetas, quadros e fotos nas paredes, objetos pessoais ou equipamento técnico deixados em cima da mesa.
É como se de um instante para outro todas as centenas de pessoas que moravam ou trabalhavam ali tivessem se evaporado, e o edifício, subitamente oco, iniciasse seu processo irreversível de deterioração.
Num texto antigo neste coluna (http://bit.ly/wyYHSF) escrevi sobre os fotógrafos que visitam esses lugares e captam o seu charme decadente. Um lugar em ruínas é um espaço humano esvaziado de seu conteúdo humano (do ponto de vista físico – as pessoas), e que por isso mesmo torna precioso qualquer conteúdo humano (=cultural) remanescente.
Uma boneca de criança no chão de um hotel cheio de gente é apenas um boneco perdido que precisa ser devolvido à dona; a mesma boneca no corredor de um hotel desabitado e invadido pelo mato ganha um ar de tragédia irremediável.
Caetano Veloso observou, numa canção, que “no Brasil tudo ainda é construção e já é ruína”. Vemos num Ciep inacabado, tomado pelas ervas daninhas, um pedaço do futuro (o Ciep que iria ser concluído e estaria cheio de crianças) e do passado (em algum momento do passado o Ciep “morreu” e quedou-se entregue a si mesmo).
Usa-se bastante hoje (inclusive na ficção científica) o termo “heterotopia”, ao que parece proposto por Michel Foucault, para designar espaços/lugares contraditórios, onde vigoram leis diferentes das que vigoram no espaço urbano comum. Um hospital é uma heterotopia; um hospital abandonado e em ruínas o é duplamente. A presença humana é ressaltada pela ausência de humanos, deixando apenas pistas espalhadas.
Como o Hotel Overlook de O Iluminado (Stephen King, Stanley Kubrick) cada uma dessas fábricas, desses aeroportos, quartéis, essas construções parecem saturadas de presenças invisíveis. E pela ameaça da intrusão do fantástico no cotidiano. Assemelham-se aos navios como o “Mary Celeste”, que são encontrados à deriva, com tudo intacto, mas sem o menor sinal dos passageiros e tripulantes.
Cada um desses prédios nos dá o vislumbre do que será um dia nosso planeta, quando a primeira nave alienígena pousar aqui. Observarão nossas enormes construções vazias e perguntarão: “O que aconteceu com eles? Por que se extinguiram tão depressa, justo quando tinham nas mãos uma tecnologia capaz de resolver todos os seus problemas?”.
Certa vez eu tirei umas fotos de um uma "casa" que havia sido destruída para dar lugar a um prédio. Digo que era uma casa porque na parede lateral não destruída, única ainda de pé, era possível ver o desenho das divisões dos seus cômodos. Onde era o banheiro restavam os azulejos e um espelho empoeirado. O que eu via ali vc definiu bem com a expressão "Charme decadente".
ResponderExcluir"...eu não sou piedoso
ResponderExcluireu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
os arranha-céus de carniça se decompõem nos pavimentos..."
("Piedade", Roberto Piva)