Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
2780) Traduzir o sertão (31.1.2012)
(Guimarães Rosa, por Baptistão)
A estética literária de Guimarães Rosa é baseada no desprezo à primeira idéia (à maneira mais simples e imediata de dizer algo) e à procura de uma maneira inesperada, mais rica, mais inquietante. Numa entrevista a Gunther Lorenz (1965), ele afirmou: “Como escritor, devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanhas de cinzas”.
Ao que se diz, as melhores traduções de Rosa são as de Curt Meyer-Clason para o alemão e as de Edoardo Bizarri para o italiano. Agora, uma nova versão alemã do Grande Sertão está sendo feita por Berthold Zilly, que já traduziu obras de Raduan Nassar, Euclides da Cunha, Machado de Assis, etc. (ver entrevista a José Geraldo Couto: http://bit.ly/xgKl1S). Zilly mostra, num exemplo, as questões interligadas de ser fiel ao conteúdo e à forma do original:
“Por exemplo, os contrastes entre, por um lado, os períodos longuíssimos, repletos de orações subordinadas e apostos, e por outro os períodos compostos por uma única palavra. Logo na primeira página do livro, há a frase isolada: ‘Mataram’. Referia-se ao bezerro disforme que podia ser o demônio e que os cabras da fazenda de Riobaldo mataram. Meyer-Clason verte esse lacônico ‘mataram’ por ‘Sie habens auf der Stelle totgeschlagen’ (literalmente: ‘Eles o mataram a pancadas imediatamente’). O laconismo extremo do original é impossível de se reconfigurar em alemão, pois precisamos de um sujeito para um verbo, precisamos de um objeto no caso de um verbo transitivo, e além disso, no pretérito perfeito, em geral precisamos de um verbo auxiliar. Mas em vez de limitar o número de palavras, Meyer-Clason acrescenta desnecessariamente um advérbio (auf der Stelle, imediatamente). Além disso, há o problema semântico: indica-se, diferentemente do original, a maneira de matar o bezerro, e ainda por cima de modo equivocado, pois os cabras provavelmente mataram o animal a tiros. Provavelmente vou traduzi-la como ‘Habens getötet’; se a gente traduzisse isso, palavra por palavra, seria mais ou menos ‘Têm-no matado’, Esse tipo de equívoco é frequente na tradução de Meyer-Clason, que é muito boa em outros aspectos. Penso que é natural que a tradução de uma obra desse quilate seja feita em duas etapas. A dele cumpriu seu papel desbravador. Agora tenho que ir além.”
Num mundo ideal, não haveria duas versões idênticas, em nenhuma língua, para qualquer frase do Grande Sertão. Cada tradutor teria que inventar uma expressão nunca dita antes, uma expressão que correspondesse à força-de-novidade da frase em português.
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