quinta-feira, 17 de novembro de 2011

2716) Getúlio, Jânio, Tancredo (17.11.2011)





A política é um gigantesco mecanismo coletivo que repousa, com um peso às vezes injusto, em cima de indivíduos. 

É possível prever em linhas gerais o desenrolar e o desfecho de campanhas eleitorais, campanhas de oposição, movimentos de massa pacíficos (“Primavera Árabe”, etc.) ou armados. Nunca se pode saber, porém, como os indivíduos vão reagir àquilo, por mais que os conheçamos. 

Um indivíduo é um “x”, uma incógnita, uma variável escorregadia que já nos deu (e nos dará) muitos dribles.

Ano: 1954. Getúlio Vargas é o homem mais idolatrado e mais perseguido do país. Ninguém já teve tanto poder popular quanto ele, por tanto tempo. (Não comparem com D. Pedro II; era outro Brasil.) Perseguido pela oposição e pela imprensa, acusado de corrupção, de ordenar assassinatos, de mergulhar num “mar de lama”. 

Imaginava-se que Getúlio fosse capaz de prender, arrebentar, dar outro golpe de Estado, renunciar, vingar-se, pendurar as chuteiras... Fez o que ninguém imaginava: deu um tiro no peito e mudou a História.

Ano: 1961. Jânio Quadros era um político estabanado e veemente, com um discurso moralizante que agradou muito à classe média conservadora e cristã. No poder, fez avanços surpreendentes e teve uma porção de atitudes de Odorico Paraguaçu. Ninguém sabia o que ele faria no dia seguinte; ele próprio parecia não entender o que tinha feito na véspera. 

O Brasil apertou o cinto de segurança e preparou-se para quatro anos de turbulência. Com menos de oito meses de governo, Jânio fez o impensável: renunciou. Por quê? Não se sabe. Temos 735 teorias, o que equivale a não ter nenhuma.

Ano: 1985. Eleito presidente pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves foi um improvável ponto de convergência entre direita, centro, esquerda, conservadores, liberais, o escambau – todos concordaram em que naquele momento ele era a melhor pessoa para assumir o leme do barco. 

Uma euforia juvenil fervilhava nas ruas. Depois da derrota do “Diretas Já”, a eleição de Tancredo era uma saborosa vingança. Na véspera da posse, a TV anunciou que o futuro presidente não seria empossado: sofreria uma cirurgia de emergência no hospital de Base de Brasília. 

Quem esperava por essa? Ninguém. Nem mesmo José Sarney, que tomou posse no lugar do presidente eleito.

Isto é a política, isto é a História, isto é a vida. Podemos calcular a trajetória dos grandes movimentos sociais. Mas vemos os indivíduos com a incerteza do físico que tenta calcular a velocidade e a posição de uma partícula subatômica. 

Na História, o indivíduo não é importante por ser grandioso, genial ou heróico, e sim porque é nele que giram as dobradiças do Imprevisível.









2715) Uma doença nova (16.11.2011)



O mundo anda muito louco, só está faltando sair num jornal da Austrália que Philip Buckley, um fazendeiro lá do “outback”, adquiriu uma estranha doença mental. Ele pronuncia duas vezes seguidas cada frase completa que diz, e parece não ter consciência disto. Por mais que os médicos comentem e façam perguntas a respeito ele parece não entender o que estão lhe perguntando e muda de assunto, dizendo algo como “ Pois é, pois é, ando muito cansado, ando muito cansado, aquele chá me dá sono, aquele chá me dá sono, boa noite, boa noite”.

Ou então o vigilante noturno de uma estação de trem na Sérvia, Piotr Danilovic. Ele sofre de um desequilíbrio aleatório no eixo visual. Durante uma conversa normal ele de repente começa a girar o torso como se o interlocutor estivesse caminhando à sua volta e ele quisesse ficar sempre de frente; e ao mesmo tempo seu corpo da cintura para baixo fica imóvel, o que faz o corpo parecer um parafuso. A maioria das pessoas dá a volta para poder falar com ele de frente, o que o faz girar de novo. Às vezes chega a ficar assim por meia hora, e conversando normalmente, fumando um cigarro, descontraidamente, como se nada excepcional estivesse acontecendo.

Suponhamos, também, a existência de Rosa d’Amico, uma dona de casa numa vila da Itália atingida por uma inundação. A enxurrada arrastou todos os móveis e pertences que havia na sua casa, entrando pela porta da frente e saindo pela dos fundos. Depois que a água baixou, contudo, ela voltou para casa e continuou movimentando-se normalmente, como se cozinhasse, arrumasse, dormisse, etc., mesmo com a casa sem móveis e toda enlameada. Move as mãos como se estivesse manipulando os objetos costumeiros. Os vizinhos a retiram, e ela dá um jeito de voltar, protestando.

Aqui no Brasil não poderia deixar de ser o caso de um adolescente de boa família, de Copacabana, que tem o hábito de entrar por uma porta qualquer se vir que está aberta. Entra nos apartamentos do seu prédio, em lojas, em residências. Se entra numa residência senta na sala, puxa uma revista da mochila e fica lendo. Quando as pessoas o enxotam, ele pede desculpa, sai, e entra na próxima porta aberta que encontra. Assim como os outros, não fala a respeito com os médicos; no máximo diz que não pretendia incomodar ninguém, estava apenas querendo sentar um pouco, ou fugir da chuva, etc. Quando os pais lhe perguntam de onde veio essa mania esquisita, ele responde apenas: “Eu não me acho mais esquisito do que a maioria das pessoas. Eu sou normal. Todo mundo é normal. Todo mundo é esquisito. Estou aqui na casa de vocês há quinze anos e vocês ainda não chamaram a polícia”.