quarta-feira, 31 de agosto de 2011

2649) O líder que deixa liderar (31.8.2011)



(Garrincha, Didi e Pelé)

O designer Bruce Mau criou The Incomplete Manifesto, um conjunto de instruções para enfrentar situações em que a criatividade emperra. O texto (está completo aqui: http://tinyurl.com/yamtgvd) tem 43 itens, e aqui vai mais um, comentado por mim.

“10) Todo mundo é líder. O crescimento é algo que acontece. Quando acontecer, deixe que brote. Aprenda a segui-lo quando ele fizer sentido. Permita que qualquer um possa liderar”.

Estas poucas linhas me lembram episódios em que a liderança de um trabalho foi momentaneamente assumida por um subordinado, e o líder natural do grupo, ao invés de sentir-se ofendido ou ameaçado por isso, teve a lucidez de dar um passo de lado e ceder essa liderança a quem tinha uma proposta melhor que a sua.

Na Copa do Mundo de 1958, o Brasil estreou vencendo a Áustria (3x0) e empatando com a Inglaterra (0x0). O time tinha na reserva o adolescente Pelé, com 17 anos, e o imprevisível Garrincha, com 24, considerado por alguns cartolas um irresponsável, porque jogava para se divertir. 

Na véspera do jogo com a Rússia, que decidiria nossa classificação, Feola foi procurado pelos jogadores mais experientes do time: Nilton Santos, Didi, Gilmar, etc. Os jogadores o convenceram de que com Pelé e Garrincha o time ficaria imbatível. 

Feola não usava terno Armani à beira do campo, não era truculento, não se achava o dono da verdade. Aceitou o conselho dos jogadores, “e o resto é História”.

Em 1980, a diretora Tizuka Yamasaki estava realizando seu primeiro filme, Gaijin – Os caminhos da liberdade, história da imigração japonesa no Brasil. O roteiro original (que contava em linhas gerais a vida da avó da diretora) terminava com a impossibilidade do casamento entre ela e um namorado brasileiro (como ocorreu na vida real). 

Perto do fim das filmagens, Tizuka foi abordada por atores e membros da equipe técnica. Eles queriam que o filme terminasse com o casamento da japonesa e do brasileiro. Tizuka argumentou que na vida real não fôra assim; eles contra-argumentaram que o filme era a favor da miscigenação e da união entre as duas culturas, e que neste caso a fidelidade à biografia de uma única pessoa era de importância menor. A diretora aceitou, mudou o fim do filme, e o filme ficou muito melhor.

Um amigo meu, engenheiro elétrico, estava coordenando a construção de um conjunto habitacional popular. A certa altura surgiu um problema com a distribuição das redes elétricas dos blocos. As soluções padrão, que ele e os outros tinham aprendido na faculdade, não se aplicavam ali. Um morador local, que era eletricista nas horas vagas, propôs uma solução pouco ortodoxa. Eles ficaram um tempão avaliando e resolveram tentar. 

Deu certo. “Era uma solução típica de quem não aprendeu as soluções mais óbvias”, disse ele. “Mas funcionou, e fim de papo. Nosso mérito foi apenas o de dizer: ‘Vamos tentar a solução do cara’, e esquecer que ele estava ali como mero ajudante.”