sábado, 26 de novembro de 2011

2724) Os degraus do improviso (26.11.2011)




O improviso musical é uma coisa fascinante, e acho que fascina ainda mais aqueles indivíduos que têm um pouquinho de familiaridade com um instrumento mas não chegam a ser grandes músicos. Eles percebem (porque também tocam um pouco de piano, ou de guitarra, de sax, seja lá do que for) o quanto aquilo é difícil de fazer, e admiram melhor a aparente facilidade de quem o faz. 

Para quem é totalmente leigo, tudo parece ou igualmente fácil ou igualmente impossível. Apenas o semi-talentoso é capaz de entender de verdade o que o talentoso está fazendo.

No caso da música, temos, por exemplo, aquelas circunstâncias em que não se espera do músico que ele improvise, e sim que execute com perfeição. Não pode engolir uma nota sequer, não pode pular uma pausa, tem que ser tudo do jeito que está escrito na partitura ou consagrado na memória. 

Cabe ao músico juntar a essa reprodução perfeita uma dose de emoção pessoal que dê ao público uma impressão de algo novo, espontâneo, de uma coisa que está acontecendo ali pela primeira vez. 

A música erudita, de concerto, tem um pouco desse espírito. O concertista não está ali para inventar música, mas para recriar algo que já existe.

Depois, há um degrau intermediário em que o músico trabalha com partes iguais de memória e de momento. É quando, na música popular, chega o momento do solo instrumental. O cara sabe a melodia que vai tocar, tem uma idéia aproximada do que vai fazer; mas o resultado, que não precisa ser igual a nenhuma versão anterior, vai depender do momento, de sua “inspiração”. 

Inspiração é a capacidade de se concentrar no que está tocando e fazer, em frações de segundo, as escolhas melódicas mais adequadas, mais surpreendentes e mais cheias de informação nova, sem entrar em choque com a harmonia subjacente (a sequência de acordes que serve de base ao solo).

E existe o improviso total. O cara está ouvindo uma música pela primeira vez (no estúdio ou no palco) e precisa descobrir caminhos, sem muito tempo para pensar, confiando na sua bagagem musical (conhecimento de acordes e de escalas) e na sua “inspiração”. 

Ele chega ao estúdio para tocar no disco de Fulano, mostram-lhe as partes já gravadas da música e o trecho onde ele vai tocar. Ele escuta, pega o jeitão da música, empunha o instrumento, manda gravar e toca. Às vezes tem que refazer, porque não saiu legal. Outras vezes, faz um improviso perfeito como se já tivesse tocado aquilo mil vezes. 

Ou então sobe ao palco para dar canja num show alheio, com músicos com quem nunca tocou, numa canção que desconhece. E faz um improviso que fica para a História. Como? Não sei, mas já vi acontecer.





Um comentário:

  1. Você esqueceu do último nível possível do improviso, aquele através do qual a Sra Vanusa alçou o hino nacional às raias da sublime perfeição. Desde então uma Imortal na Terra.

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