Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 13 de agosto de 2011
2632) O jeito certo de falar errado (11.8.2011)
Minha irmã Clotilde já teve que enfrentar muitas polêmicas porque usava às vezes o termo nordestino “apois”, em vez de “pois”. Pode ser vício de linguagem, mas também é resíduo afetivo de uma infância falada num idioma bárbaro que fascinaria Camões e o Padre Vieira, longe de escandalizá-los. Mas como os dois lusitanos estão “em pó desfeitos e do pó alçados”, as pessoas se escandalizavam. Algumas diziam: “Mas você, uma doutora, uma intelectual, falando assim...”, enquanto outros certamente murmuravam à socapa: “Só pode ser mesmo da Paraíba...”
O “apois” é uma forma aparentemente errada, mas que só se realiza plenamente como linguagem expressiva se usada assim, ostentando o resíduo bárbaro (no caso o prefixo “A”). Talvez seja uma exigência rítmica do discurso, pois essas duas sílabas lhe dão mais base, mais equilíbrio. Tanto o “pois” como o “apois” são uma maneira tácita de mostrar que a frase do interlocutor foi registrada, mas não necessariamente que a gente concorda com ela. “—Eu ouvi dizer que você vai viajar na 5ª. feira. – Apois. Vou, sim, mas na verdade é na sexta.”
Essa expressão (que poderia ser vagamente substituída por “OK”, “certo”, “pois é”, algum tipo de concordância sem compromisso) equivale sintaticamente ao famoso “intão” dos paulistanos, tão incrustado no discurso dos nossos amigos de lá que vai acabar virando um sinal de pontuação como o travessão e as aspas. “—Precisamos conversar sobre aquele projeto! – Intão. Aparece amanhã lá no meu escritório.” De certo modo parece um expletivo, aquelas partículas que ajudam a enfatizar o discurso mas que a rigor poderia ser extirpadas sem perda do sentido. Mais ou menos como o “pois é”, que só é necessário quando vem sozinho, mas quando precede uma frase poderia ficar de fora sem que ninguém percebesse sua ausência.
Falei que o “apois” cumpre a mesma função sintática do “intão”, mas cumpre também a mesma função melódica. Toda frase tem melodia, não é mesmo? Uma pergunta como “Não é mesmo?” só se impõe como pergunta, na voz falada, por causa da inflexão melódica que lhe damos, e que na linguagem escrita indicamos pelo sinal “?”. Uma pergunta tem sempre a mesma melodia básica, daí ser difícil (experimentem!) fazer uma letra de música cheia de perguntas. Por quê? Porque a melodiazinha implícita da frase perguntante costuma se chocar com a melodia que tentamos imprimir à canção.
Um outro aspecto. Repararam que grafei “intão”, e não “então”? Apois. Porque é assim que os paulistanos (nem todos, claro) falam, assim como os paraibanos (nem todos, claro) falam “apois”. A Norma Culta ensina como grafar em linguagem denotativa essas duas palavras. Mas se quisermos usar linguagem conotativa, expressiva, afetiva, literária, dizer “intão” e dizer “apois” traz uma carga de contexto social que veste de verdade humana a nudez da palavra “em estado de dicionário”. Intão?
e apoi
ResponderExcluirgeralmente é mais bárbaro ainda
sem falar na ênfase lusistana com o seu POIS, POIS...
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