Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 16 de julho de 2011
2610) Superpoderes (16.7.2011)
Os heróis com superpoderes sempre nos fascinaram. Não há muita distância entre as Metamorfoses de Ovídio e os gibis da Marvel ou DC Comics. Freud escreveu um ensaio muito lúcido sobre o Herói na literatura popular. Quem é, pergunta ele, esse sujeito invencível, que conquista todas as mulheres, surra todos os inimigos, escapa de perigos catastróficos, deslinda mistérios impenetráveis? Ora (responde), é o Ego, é nosso rosto quando nos penteamos ao espelho, é aquilo que queremos ser. (Talvez não “queiramos” no sentido de ter isto como um objetivo concreto; mas fantasiamos sê-lo, para compensar nossas deficiências. Se você não pensar que é James Bond, não consegue azarar sequer a caixa do supermercado. Se você não pensar que é Napoleão, não consegue encarar uma reunião de condomínio.)
O filme Heróis (“Push”, 2009), de Paul McGuigan, mostra um grupo de pessoas com superpoderes desenvolvidos artificialmente por uma agência de espionagem. São tantos poderes que fiquei meio perdido e depois do filme fui consultar o saite. Olha só a lista dos poderes, de acordo com cada grupo:
“Movers”, que podem mover objetos com a força da mente. “Pushers”, que podem controlar os pensamentos de outras pessoas. “Watchers”, que podem ver o futuro. “Bleeders”, que emitem gritos em ultrassom, capazes de romper vasos sanguíneos do adversário. “Sniffs”, que podem rastrear pessoas. “Shifters”, que podem mudar temporariamente a aparência de um objeto aos olhos de outras pessoas. “Wipers”, que podem apagar memórias alheias. “Shadows”, que podem proteger a si mesmos e a outras pessoas próximas contra a detecção (dos Sniffs). “Stitchers”, que podem curar pessoas ou desfazer uma cura já feita.
É uma bela galeria daquilo que Freud apontou, no ensaio The Uncanny (“O Estranho”) como “a Onipotência do Pensamento”, a fantasia infantil de que somos capazes de modificar o mundo material com a mera força do pensamento, somos capazes de materializar idéias, de interferir no mundo físico sem mover um dedo. Os superpoderes do super-herói clássico, o Super-Homem, são da mesma natureza: poder voar, ser invulnerável, ter força descomunal, enxergar através das paredes, etc. A proliferação de histórias do gênero foi ampliando esse repertório. Em Scanners, os heróis são capazes de fazer explodir a cabeça de alguém. Em Jumpers, podem saltar fisicamente de um lugar para outro, bem distante. Se recorrermos ao repertório da Marvel e DC Comics, a lista não tem fim.
Cada superpoder das histórias de fantasia corresponde a uma impotência da vida real; cada um deles é inventado para suprir algo que somos incapazes de fazer. Cada superpoder é a compensação para os pequenos traumas da educação infantil, quando recebemos a terrível notícia de que não somos o Imperador do Mundo, não podemos fazer chover nem parar o sol no céu, não podemos comandar mentalmente o comportamento das outras pessoas, somos incapazes de mexer objetos sem levantar um dedo.
Ótimos paralelos, da Metamorfoses com os heróis.
ResponderExcluirE também a análise psicanalítica do ego, parabéns.