Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 5 de julho de 2011
2600) Raymond Roussel (5.7.2011)
A literatura excêntrica é aquela produzida pelo que chamo de talentos fora-de-esquadro, aqueles escritores cuja personalidade única, mesmo que desorientada, meio demente, etc. confere a sua literatura um poder revelatório especial.
(Quando consideramos estes autores, os critérios da técnica literária e da estética não podem deixar de ser levados em conta, claro, mas ao mesmo tempo não podem ter o mesmo peso que têm quando analisamos a obra de um artista convencional, não-excêntrico.
((Um bom exemplo de artista excêntrico foi Raymond Roussel, 1877-1933, contemporâneo dos surrealistas, que publicou meia dúzia de livros de poemas extremamente convencionais na aparência, mas obedecendo a regras de composição levemente absurdas.
(((Roussel gostava, por exemplo, de encher seus textos de parênteses, e de novos parênteses dentro dos primeiros, o que tornava suas narrativas uma série de “bonecas russas”, umas dentro das outras; é o que ocorre no famoso Novas Impressões da África.
((((Outra técnica sua era pegar duas frases que soavam quase iguais, mas com sentido diferente, como “uma revista” e “um arrivista”; ele iniciava o texto com uma delas, e ia aos poucos fazendo a narrativa incluir elementos da próxima frase, até concluir o texto com ela.
(((((A técnica dos parênteses era um tipo de “linguagem encapsulada" que encantou os surrealistas, os estruturalistas, e mesmo escritores de FC como Ian Watson, que a usou como inspiração para o romance The Embedding, um dos poucos livros de FC em que a Linguística é a ciência que serve de inspiração.)))))
Roussel usava esses processos sem se preocupar muito em saber se o leitor iria achá-los fáceis ou difíceis; era um desses sujeitos que escrevem para si mesmos, sem ligar muito para a humanidade. Era muito rico, mimado pela mãe, homossexual, ultra-sofisticado, um típico dândi do período desnorteado que a Europa viveu após a I Guerra Mundial.))))
Em seu livro Como Escrevi Alguns dos Meus Livros, ele descreve esses métodos, dá exemplos e faz comentários gerais sobre sua literatura. Ele comenta inclusive uma espécie de crise mental que teve ainda muito jovem, quando julgou que era um gênio e escreveu seu primeiro livro numa espécie de delírio; o fracasso do livro quase o enlouqueceu.)))
Roussel viajava pelo mundo sem sair de dentro da cabine do navio; dizia que os únicos lugares interessantes do mundo estavam dentro de sua própria cabeça. Parecia ser um desses sujeitos que num instante estão no limite entre a normalidade e a excentricidade, e minutos depois no limite entre a excentricidade e a loucura.))
Qual o interesse, então, de uma literatura feita apenas para satisfazer caprichos de um escritor meio adoidado? Talvez eles sirvam como imagem ampliada dos processos da criação.)
O escritor fora-de-esquadro tem as mesmas imprevisibilidades dos demais, só que no seu caso são elas que assumem o volante da criação literária.
Certa feita, Braulio, víamos o sr. Francisco Buarque de Hollanda falar sobre alguns truques em letras de música. Ele exemplificou com uma canção que acho misteriosamente linda. O título dela é o indício do mistério "Quase que eu disse agora" do Orestes Barbosa em parceria com o Sílvio Caldas.
ResponderExcluir"Quase Que Eu Disse
Sílvio Caldas&Orestes Barbosa
Na febre dos meus desejos
Fui a procura de beijos
Em bocas tão desiguais
E agora de beijos fartos
Tristonho volto pro quarto
Quero chorar nada mais
Sabiam quanto eu te amava
Sabiam porque eu falava
A todos do meu amor
E logo a vespa da intriga
Originou esta briga
Oh! Minha amiga que horror
Um coração de carinho
É um galho que perde o ninho
Na fúria do vendável
E é triste um ninho rolando
É um passarinho cantando
Em busca de um canto igual
Oh! Quanta desgraça junta
Toda cidade pergunta
E vai dizendo o que quer
Da mágoa que me devora
E quase que eu disse agora
O nome desta mulher."
Na minha tenra idade adolescente escutava e estacava na beleza da canção. Não passava disso. Porém, depois que o sr. Hollanda aponta a prestidigitação do Mr. "M", tudo se me locupleta. Fico extasiado com o recurso e a delizadeza literária que o Orestes usara na letra. Fiquei besta! A partir daí, quando consigo fazer uma dessas, a que poucos tem acesso, sorrio feito um arteiro cuja arte ninguém sabe a autoria.
Saudações, tricolores!
Muito bom o blog, caro Bráulio.
ResponderExcluirCumprimentos cinéfilos!
O Falcão Maltês
Aproveite esta lista de pessoas incrivelmente excêntricas. Talvez renda um de seus artigos deliciosos.
ResponderExcluirhttp://listverse.com/2009/03/15/10-incredibly-eccentric-people/
Sem os excêntricos - qq tipos - a régua humana será mais reta e rígida ainda. Baita txt, Braulio.
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