Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 1 de julho de 2011
2597) Etimologias populares (1.7.2011)
(Ilustração: Saul Steinberg)
Na formação de palavras, interpretações errôneas sobre seu significado original acabam influenciando suas transformações futuras. Em inglês existe a frase-feita “to eat humble pie” (“comer torta humilde”) no sentido de ser submetido a uma humilhação. A expressão original não tinha nada a ver com “humble” (=humilde): era “to eat a numble pie” (“comer uma torta de vísceras, ou de miúdos”), que passou a ser grafada erroneamente como “to eat an umble pie” e depois, foi preciso justificar essa palavra inexistente “umble” e o jeito foi dizer que na verdade se tratava de “humble”, humilde.
Uma confusão parecida deu origem à palavra “blog”. Saites onde era possível fazer anotações instantâneas para serem lidas por todo mundo foram chamados de “web log”, sendo que “web” é rede e “log” é diário, livro de anotações. O hábito comum na língua inglesa de emendar duas palavras que sempre aparecem juntas fez o termo virar “weblog”. Logo apareceu alguém que re-dividiu a palavra em “we blog”, que parecia a conjugação de um verbo inexistente: “nós blogamos”. O resto é história.
Uma maneira frequente de criar palavras assim é quando uma palavra estrangeira entra em nosso vocabulário e, sem entendermos o que ela originalmente significa, procuramos racionalizar o seu significado através de uma modificação. Em inglês a barata (inseto) é “cockroach”. “Cock” (que em princípio é “galo”) é usada para designar animais machos de várias espécies”; “roach” se usa para diferentes tipos de inseto. Mas a palavra na realidade vem do espanhol “cucaracha”, e a língua inglesa (tão antropofágica quanto a nossa) impôs ao termo estrangeiro uma forma baseada em duas formas nativas.
Uma vez ouvi alguém dizer que no aeroporto iria fazer “o chequinho”. Perguntei o que era, e a pessoa me disse: “A gente vai no balcão, dá o número do localizador do voo, despacha as malas, aí a moça entrega aquele chequinho com os dados do voo”. Na verdade o termo é “check in”, ao pé da letra “verificação de entrada”, assim como “check out” (mais usado em hotéis) é “verificação de saída”. Mas como a pessoa não conhecia o termo em inglês tentou dar-lhe a forma de algo que lhe era familiar, e a solução foi chamar de “chequinho” o cartão de embarque.
Nosso corpo físico assimila corpos estranhos procurando uma maneira de torná-los inofensivos (protegendo-os com um cisto, p. ex.). Na formação da língua (que é incessante, permanente) as palavras estranhas, quando têm utilidade real e são usadas com frequência, têm que passar o tempo inteiro pelo crivo de pessoas que não as conhecem mas precisam explicá-las de alguma maneira. Quando a explicação é engenhosa e plausível, ainda que falsa, pode acabar pegando. O mais interessante no processo é essa nossa capacidade infinitamente flexível de reinterpretar, e nossa teimosia em dar explicações aparentemente lógicas para processos que de lógicos não têm nada.
ja vi mais de uma pessoa dizer que 'coitado' vem de coitar (coito), mas parece que não é bem isso, não.
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