Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 12 de maio de 2011
2554) Harakiri (12.5.2011)
Este filme de Masaki Kobayashi, de 1963, é um clássico do cinema de samurais, e tem a verdade humana, o flagrante histórico-social e o arrebatamento épico daqueles grandes faroestes de John Ford ou Sérgio Leone. Eu o tinha visto apenas uma vez, em 1970, e ao revê-lo agora no DVD descobri que lembrava enquadramentos precisos, cenas inteiras, e a história, que é cruel e dolorosa. Um samurai empobrecido e sem patrão, um “ronin”, chega às portas da mansão de um poderoso clã e pede que lhe deem condições rituais de praticar o harakiri lá dentro. Havia na época um mau costume, entre samurais sem ética, de fingir querer praticar o harakiri para ser dissuadido à força de esmolas. Os homens do clã Yi forçam o “ronin” a praticar o harakiri com as espadas de bambu que levava consigo, o que torna sua morte humilhante e dolorosa. Algum tempo depois chega à casa um “ronin” mais idoso, fazendo o mesmo pedido. Quando o ritual é preparado, ele pede (bem ao estilo das narrativas orientais) para contar sua história e de como chegou àquela situação. E revela que é o sogro do “ronin” anterior, e diz que está ali para justificar a atitude do genro, e para vingá-lo.
É um filme com mais de duas horas de duração, sucessivos flashbacks, muitos diálogos. Dos seus mais de 120 minutos talvez apenas uns 15 sejam dedicados a combates de espadas, mas estão entre os melhores que o cinema já fez, principalmente o confronto (em flashback) entre dois samurais numa campina agitada pelo vento. Kobayashi usa a tela larga tipo cinemascope, num preto e branco belíssimo (infelizmente prejudicado na cópia-para-colecionadores que os amigos me repassaram), mas que pode ser avaliado vendo-se o trailer no YouTube. Não é todo diretor que usa a tela larga para enquadramentos tão precisos, tão expressivos, tão cheios de movimento.
O filme também nos faz pensar sobre a época dos samurais. Tendo surgido como os defensores armados dos clãs feudais, os samurais ficavam inúteis numa época de paz, como a descrita no filme (em torno do ano 1630). Homens treinados para a guerra, tinham dificuldade de se adaptar a tempos pacíficos, e acabavam se transformando numa estranha forma de lumpen-proletariado, quase mendigos que, não obstante, eram especialistas numa função dificílima e arriscada. Tem a ver com os veteranos da II Guerra Mundial, do Vietnam, da Guerra do Golfo, etc. Indivíduos que se sentem mais à vontade numa brutal situação de combate, matando gente, do que em casa, aguando as plantas do jardim e ajudando a esposa a cuidar do bebê.
Kobayashi, além de fotografar admiravelmente, usa o som de maneira notável. Numa cena em que um homem pratica tiro ao alvo com arco e flecha, escutamos até o rangido do arco sendo dobrado. O tropel dos passos no chão de madeira, os gritos e arquejos durante a luta. A música, com instrumentos tradicionais japoneses, surge com extrema economia e eficácia. Um filme que vale a pena encomendar na loja oficial.
Bráulio,
ResponderExcluirRealmente o filme é muito bom. Sobre Samurai, recomendo também “Depois da Chuva”, de Akira Kurosawa. A melhor cena é a luta do protagonista contra uns sete oponentes. A câmera é fixa e a batalha é curta, sem nada espalhafatoso. É fantástica.
Sou fã incondicional de Masaki Kobayashi. Além de Harakiri, ele também fez outro filme de samurai memorável: Rebelião, que bem poderia ser um faroeste. Perfeiro! Ele ainda fez uma trilogia sobre a segunda guerra, conhecida aqui como Guerra e Humanidade (The Human Condition em países de língua inglesa), contando uma história de amor das mais belas da história do cinema, e que talvez não seja tão conhecida devido à sua duração - a trilogia tem cerca de 10 horas de duração. Mas vale muito à pena assistir. Ainda deve ser mencionado Kwaidan - As Quatro Faces do Mal, um mergulho no imaginário sobrenatural japonês, que conta quatro fábulas terríveis, mas de uma beleza visual indescritível.
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