Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 29 de abril de 2011
2543) O fim do forró (29.4.2011)
O ayapaneco, língua falada no México há muitos séculos, está ameaçada de sumir. Só restam dois índios que a falam com fluência. Um tem 75 anos, o outro tem 69, mas os dois são “intrigados”. Não se falam há muito tempo, e com isso o ayapaneco está em vias de extinção. Algo parecido está ocorrendo com o forró nordestino. Já foi a música mais tocada no país, no tempo de “Asa Branca”. Agora, está sendo suplantada por outros tipos de música que espertamente lhe tomaram o nome, invadiram seu território, colonizaram seu público. Se os falantes do forró não começarem a conversar e a tomar providências juntos, essa idioma musical deixará de existir. Ou melhor, haverá no Brasil inteiro uma coisa chamada “forró” atraindo dezenas de milhares de jovens para as festas. Mas – nomes à parte – aquele tipo de música não existirá mais.
O forró está sendo esmagado pelo chamado “forró de plástico”, que é uma musiquinha alegre, sacudida, boa de dançar, com letras bobas ou ruins com-força. É uma variedade da lambada; recorre ao palavrão e a dançarinas seminuas, o que em princípio não é pecado, a não ser quando se torna (como é o caso) uma receita obrigatória e a principal atração. É duro assistir um show de uma hora onde a melhor coisa do show são as pernas das dançarinas, e as frases que fazem vibrar a platéia são apenas as que dizem palavrões (em geral insultando parte da platéia). Uma ou duas músicas assim... Vá lá que seja. O show inteiro? Quem ouve isso, e gosta, merece o que está escutando.
Além disso, o forró de plástico recorre a práticas que corroem há tempos nosso mercado musical. A primeira é o jabá (suborno de radialistas e de diretores de rádios), que tem dois tipos: o “jabá pra tocar minha música” e o “jabá pra não tocar de jeito nenhum a música de Fulano e Sicrano”. Ganhar concessões de rádios e usá-las para divulgar as próprias músicas é uma versão legalizada desse processo, mas é legal somente porque os critérios para concessões de rádios e TV no Brasil são uma calamidade. A grande imprensa combate, como se fosse o fim do mundo, a cópia não-autorizada de CDs ou o download gratuito de músicas. Por que não fala nos critérios de concessão de rádios e TVs, que são uma catástrofe ainda pior para o país?
O forró de plástico está criando a monocultura da produção de uma coisa única, repetida, uniforme. Monocultura é o contrário de cultura. Cultura é o reino da diversidade, das manifestações livres dos indivíduos e dos pequenos grupos. A monocultura é uma imposição de-cima-para-baixo, feita por um grupo que fabrica e vende uma música igual até que o povo não suporte mais a música igual mas não saiba mais como fazer a música diferente, e com isso as duas morrerão juntas. O forró de plástico destrói o forró e destruirá a si mesmo no futuro. Sua repetitividade e mau gosto esgotam em seu próprio público o prazer e o significado de ouvir música.
É sempre bom trazer à baila questões como essa. Acho instigantes.
ResponderExcluirConhece Apocalipticos e Integrados, livro de Umberto Eco, e Culturas Híbridas, de Nestor Garcia Canclini?
Acho que serão obras fundamentais na sua argumentação, Braulio.
A propósito: vivi de gargalhar com o gancho do primeiro parágrafo. Os caras são os únicos falates do ayapaneco e não se falam!
Forte abraço!
kdu.
Grosso modo!
ResponderExcluirTem outros: pagode & sertanejo fazem parte desse fenômeno de esvaziamente por que atravessam palavras na língua genérica do falante "desinformado".
Tanto o forró quanto o sertanejo e o pagode são manifestações populares que agrupam pessoas num mesmo lugar para dançar ritmos afins que se relacionam com aquele termo. No baile do forró temos xote, baião, xaxado; no baile do pagode temos vários modos de se tocar o samba, sendo o mais comum o samba de partido alto; aqui tem uma coisa interessante: no baile "do sertanejo", temos a reunião de ritmos que transitam pelo território que se situa no interior, no sertão do país: moda de viola, festejos em homenagem a São João, com influências europeias. Enfim, é uma gama de matizes e de rizomas que se intercomunicam que se diferem sobretudo pelo o que elas falam, da forma de costumes e discursos daquela local. E por aí vai.
Falei bobagem?
Infelizmente o forró corre o risco de extinção. E o pior de tudo é que em muitos casos, como o caso da Bahia, com apoio oficial do estado e das prefeituras de grande maioria das cidades. Esses, fazem das festas de São João um palanque com a única finalidade de atrair a simpatia dos eleitores e conquistar o seu voto. Pra isso enchem as festas com atrações recheadas de forró de plástico, duplas sertanejas, cantores bregas, bandas de axé, e deixam uma parcela menor para as bandas de forró autênticas.
ResponderExcluirPara as bandas de forró de plástico, duplas sertanejas e bandas de pagode e axé, os governos pagam maiores cachês, com metade do pagamento na assinatura do contrato e a outra metade antes de subir ao palco. Para as bandas de forró de verdade, principalmente as locais, é necessário entrar em editais (no caso do governo do estado da Bahia - via Bahiatursa) e concorrer a um cachê que no máximo chega a 15 mil reais. E o pagamento em a gosto (a gosto de Deus). O ano passado, as bandas foram receber em dezembro, havendo casos de bandas recebendo o pagamento do São João de 2010 em fevereiro de 2011.
É assim que o Governo do Estado da Bahia (que tem como slogan da sua festa "São João da Tradição. Traição seria mais adequado)e a maioria das prefeituras vêm dando a sua importante contribuição para a extinção do mais genuíno e rico estilo musical do Nordeste.
Aqui na Bahia, bandas como Bando Virado no Mói de Coentro, A Volante do Sargento Bezerra, Ceguera de Nó, Bando Velho Chico, que fazem música nordestina tradicional e de qualidade têm que ficar mendigando um espaço para tocar em eventos oficiais.
É triste de se ver!!!
Mas creio em nichos de resistência, Anônimos, apesar dos pesares e de toda e completa decrepitude do anacrônico, anagramático e renitente poder que se elege a podre.
ResponderExcluirSempre haverá quem guarde a tradição, nem que esteja perdida no mais sedimentado e profundo sambaqui.
Vamos ter um pouco de pensamento positivo!
Abraço!
Ontem mesmo, depois do show de Elba aqui em Campina Grande, falei para a minha amiga (que é de SP mas já mora aqui há um tempo): "As músicas que ela tocou eram exatamente as que eu escutava na minha infância/adolescência nas rádios daqui".
ResponderExcluirHoje me dia, infelizmente, sabemos que a realidade é diferente, como você bem comentou em seu texto =/
Vivenciei essa transição vivendo no âmago da terra do forró. Esse forró comercial que só fala de playboy, carros e mulheres.
ResponderExcluirRi disso a adolescência inteira, e quando eu pensava que não podia piorar, surgia outra letra, outro "hit". Acho que ainda não chegamos ao fundo do poço, mas esse poço me parece tão profundo.
A queda foi maior que a de Alice. E não foi pro país das maravilhas.
Por isso tudo é que deve ser muito bem louvada a atitude corajosa do secretário Chico Cesar. Fico torcendo para que ele consiga mantê-la, e que sejam definitivamente afastados os interesses escusos.
ResponderExcluirAcho muito interessante a atitude de Chico Cesar. Dinheiro público pra contratar 'garota safada' e 'calcinhas pretas da vida' é decretar a promiscuidade geral - com licença do pobre trocadilho e sem moralismo algum.
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