(xilogravura: Arlindo Daibert)
Recebi há cinco dias a versão beta de Grande Sertão: The Game, o novo lançamento da Tutamídia para este ano de 2034.
É um videogame clássico, no sentido de ser um universo imersivo, riquíssimo em ambientes e em personagens, no qual o jogador pode viver diferentes aventuras e experimentar uma grande variedade de situações.
O game segue escrupulosamente a geografia do livro de Guimarães Rosa. Todos os combates e perseguições dos soldados contra os jagunços, p. ex., se dão, também, do lado direito do Rio São Francisco. Há uma cronologia fixa entre os combates, que só podem ser travados na mesma ordem em que acontecem no livro, até o combate final, no Paredão. (Há também um inesperado combate “bônus” para os que zerarem o jogo, mas não quero estragar essa surpresa.)
Geografia, aliás, é um dos fortes do game, que, numa decisão polêmica, tem sido pré-adotado em escolas públicas. Rios, veredas, morros, povoados, tudo que é citado no livro é reconstituído com precisão antropológica e pode ser comparado com a atualização em tempo real pelo GoogleEarth.
O mesmo cuidado vai para a parte ficcional: cada jagunço citado nominalmente no livro tem direito a avatar, biografia, subtexto e potencial interativo. (Testes preliminares mostram que apenas 63,7% dos usuários escolhem Riobaldo como avatar.)
Uma decisão polêmica dos designers foi permitir a opção de considerar Diadorim homem ou mulher desde o início, mas, conforme eles declararam, “o leitor que quiser ser fiel ao livro tem essa opção”.
A sequência do pacto com o Diabo nas “Veredas Mortas” é um “tour de force” de gótico sertanejo. O complexo jogo sociológico envolvido no julgamento de Zé Bebelo pelos jagunços talvez só seja bem saboreado pelo leitor mais culto, mas o adepto dos jogos de ação propriamente ditos já tem a seu dispor um variado cardápio de combates de faca, de revólver ou de rifle.
Outro ponto de destaque é a travessia do Liso do Sussuarão, em que as complicadas técnicas de sobrevivência no deserto evocam desde Duna até Lawrence da Arábia. Pequenas histórias encapsuladas no romance recebem um tratamento que as transforma em verdadeiros filmes de curta-metragem embutidos na narrativa principal, como é o caso da história de Maria Mutema e a do pacto entre Davidão e Faustino.
Os usuários mais idosos encontrarão ecos do exército dos “orcs” de Tolkien na concepção visual do bando dos Hermógenes, e os de cultura musical se impressionarão com a quantidade (e autenticidade) das toadas cantadas pelos jagunços. (Em algumas cenas é possível sugerir temas e motes para serem improvisados pelos jagunços-violeiros (Delfim, Siruiz).
Em suma: um jogo de imersão para quem quiser mergulhar na História e Geografia mineira, e um jogo de guerra e cavalgadas equivalente a qualquer Peckinpah ou Kurosawa disponível no mercado. Extremo bom-gosto visual, trilha sonora perfeita baseada no folclore mineiro, muita ação e aventura.
Cotação: cinco estrelas.
Oi, Braulio! Só vc mesmo, pra me dar vontade de jogar um videogame... essa arte que vc postou é do gigantesco Samuel Casal???
ResponderExcluirNão, Patati, é uma xilo de Arlindo Daibert, um artista mineiro, já falecido, que tem um trabalho magnífico.
ResponderExcluirRosa extreme... :)
ResponderExcluirTenho uma amiga que vai adorar isso. Com certeza vai parar lá no blog dela. blogdasibucs.blogspot.com
ResponderExcluirBeijão procê!
FAla, patati, eis que te encontro nesse mundo fantasmo... Bem que o pessoal da bahia tava querendo checar se tu tava vivo mesmo, he he...
ResponderExcluirDá um googlada no daibert,vc vai se3 amarrar. ele tem duas séries antológicas: uma sobre o grande sertão e outra, macunaíma.
grande abraço e vamos ver se nos encontramos nesse mundinho real véio de guerra
BT, o Daibert é endeusado pela classe artística aqui em Juiz de Fora. Fico feliz por sua apropriação. Tudo a ver com o Arlindo, lindo lindo lindo. Que ecoa oa oa oa!
ResponderExcluirabraço, BT.
Muito engenhoso, sr. Braulio. Deu-me mesmo vontade de voltar àqueles tempos em que se lia livros de papel e re-experimentar a aventura de Rosa. Felicitações pelo "Tutamídia"; pelo que se vê, a poesia segue firme. Um abraço.
ResponderExcluirConrado
Kadu, tomei conhecimento do Daibert através da antologia de Rinaldo de Fernandes, "Quartas Histórias" (Ed. Garamond), que usou ilustrações dele. É muito bom.
ResponderExcluirVc tem livros dele? Numa livraria antiquária, aqui perto de casa tem um livro póstumo de anotações dele, diário de bordo... acho que se chama Caderno de Escritos...
ResponderExcluirNão conheço nada dele a não ser as ilustrações dessa antologia, kadu. E alguém me disse que ele é falecido e era mineiro.
ResponderExcluirOs outros dois jogos são muito bons, mas este aqui... seis estrelas!
ResponderExcluir