terça-feira, 29 de março de 2011

2516) “Meu negócio é problema” (29.3.2011)



Li Trouble is my Business, de Raymond Chandler, que reúne alguns dos primeiros contos que ele publicou entre 1933, quando começou a colaborar nos pulp magazines de seu tempo, até 1939, quando publicou seu primeiro romance, The Big Sleep, que o tornou famoso. Chandler é um escritor pouco típico da literatura policial dos EUA, a começar pelo fato de que nunca foi um grande leitor do gênero. A Depressão o fez perder o emprego que tinha numa companhia petrolífera, e ele começou a escrever contos policiais, o que na época dava dinheiro. Entre 1930 e 1950 era possível viver de publicar contos em revistas como Black Mask, onde Chandler se tornou rapidamente um autor “da casa”.

Na introdução a este volume, escrita em 1950, Chandler afirma que a pulp fiction foi “uma espécie de literatura que, mesmo em seus momentos mais maneiristas e artificiais, fez a maior parte da ficção de sua época ter o sabor de um copo de consomê morno numa sala-de-chá cheia de solteironas”. Ele viveu numa terra-de-ninguém literária, esnobado por muitos intelectuais porque escrevia pulp fiction, e desprezado por parte da pulp fiction porque era um intelectual. Chandler criticava a visão curta dos críticos literários de seu tempo: “O crítico médio nunca reconhece um fenômeno literário quando ele acontece. Ele só o explica depois que ele se torna respeitável”. E cita “aquele tipo de esnobismo que aceita a Literatura de Entretenimento do Passado, mas somente a Literatura Iluminista (“the Literature of Enlightenment”) do Presente”.

Esta última crítica é interessante, porque é onde me enquadro como crítico. Gosto de pulp fiction, gosto de folhetins do século 19, mas não gosto de equivalente a isto hoje em dia, que é a novela de TV. (Na verdade até gosto, mas mil vezes menos que os outros exemplos.) Por que pensamos assim? Acho que, em parte, é porque a literatura de entretenimento do passado está meio esquecida, e saboreá-la é um prazer para poucos, ao passo que os folhetins de hoje, principalmente porque passamos do livro para a TV, nos incomodam pelo alarido ensurdecedor que provocam.

Imagino que é isso que Chandler chama de esnobismo: nossa recusa a entrar na onda, a gostar do que o grande público está consumindo com prazer. O que não queremos é nos deixar arrastar na maré popularesca do “todo mundo gosta”. Depois, esse sucesso meio fogo-de-palha desaparece no passado. (Quem lê, hoje, Eugene Sue ou Xavier de Montepin? Quem lê Perry Mason ou o Detetive Fantasma?) Esses autores que foram lidos por milhões levam somente uma ou duas gerações para desaparecer da memória. Quando são redescobertos e relidos, estão valendo pelo que valem como livros. Não há “hype” nem zum-zum-zum em torno do seu nome. Os que são realmente bons viram cult – passam a ser uma literatura de entretenimento inofensiva, aceita por quem, da literatura de hoje, cobra voos um pouco mais altos e volume um pouco mais baixo.

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