sábado, 26 de março de 2011

2514) Uma nova forma de arte (26.3.2011)



Nos meus tempos de cineclubista, quando estudava a história do Cinema, eu tentava me colocar no lugar dos contemporâneos dos irmãos Lumière ou de Georges Méliès e imaginar o que eles, acostumados apenas à fotografia estática, sentiam diante daquela novidade: fotografias luminosas projetadas numa parede, e em movimento! E mais ainda depois dessa fase inicial, a fase em que essas fotografias luminosas em movimento começaram a contar histórias de cowboys, de detetives e bandidos, de lutas de espadas, de perseguições e aventuras. E mais adiante ainda, quando surgiram os primeiros grandes criadores que deram profundidade humana, psicológica, social e dramatúrgica àquelas histórias: Griffith, Chaplin, Fritz Lang, etc.

Hoje, cem anos depois, estamos testemunhando a criação de novas formas de arte que estão atravessando um momento parecido com o do cinema. E que, como o cinema, são artes desprezadas pelos intelectuais, porque são artes bastardas, uma espécie de diversões de circo ou de quermesse, coisas feitas para adolescentes iletrados, formas bárbaras de narrativa que se resumem a violência, historietas repetitivas, pouco cérebro, nenhuma cultura, nenhuma tradição... Bem, não vou enumerar as críticas, que são num tom muito parecido com o tom de cem anos atrás. Mas a verdade é que o que se dizia para esculhambar o cinema em 1911 não era muito diferente do que, em 2011, se diz para esculhambar os videogames.

Terminei a leitura de um livro bem informado e reflexivo sobre o assunto: Extra Lives – Why Videogames Matter de Tom Bissell (New York, Pantheon, 2010). Bissell é um escritor de 30-e-poucos anos, e em seu livro comenta em detalhe alguns dos seus jogos preferidos, comentando as vantagens e os defeitos de cada um. (Entre outros, ele fala de Grand Theft Auto, Mass Effect, Oblivion, Fallout, BioShock, Far Cry, Braid.) Ele tenta suprir a carência de crítica séria aos jogos. As revistas de jogos comentam cada jogo apenas no contexto dos demais jogos no mercado. Bissell tenta colocar os jogos no contexto geral da cultura, que envolve cinema, literatura, teatro. Diz ele: “Os críticos das revistas de jogos raramente perguntam: Este jogo se encaixa em que tradição estética? De que maneira o jogo faz com que eu me sinta, quando estou jogando? Quais as emoções que ele desperta, e essas emoções são apropriadas ao tema e à mecânica do jogo?”.

Bissell reconhece estar correndo um risco ao tentar ver nos videogames uma forma de arte, porque, de um modo geral, quem gosta de games não se interessa por Arte, e quem gosta de Arte menospreza os games. São duas culturas diferentes, porque os games (assim como o cinema) não surgiram num contexto “artístico” e sim no contexto de uma nova tecnologia de produção de imagens que rapidamente se converteu numa diversão popular e numa indústria lucrativa. A Arte talvez seja o próximo passo para os games, como foi para o cinema, cem anos atrás.

2 comentários:

  1. Oi Braulio,
    sugiro humildemente a você a leitura de um artigo do Brian Moriarty entitulado "An Apology for Roger Ebert":
    http://www.ludix.com/moriarty/apology.html

    Brian Moriarty é um designer de games, e fez dois de meus jogos prediletos: o adventure-texto Trinity (na época de ouro da Infocom) e o adventure-gráfico Loom (na época de ouro da LucasArts). O interessante é que ele argumenta com simplicidade e elegância que games *não* seriam arte. A comparação com o cinema é levantada e discutida.

    ResponderExcluir
  2. Li esse artigo, Laerte, que de fato é excelente. Estou com um artigo pronto, para sair nos próimos dias, em que faço referência e dou um link para ele. Acho a posição de Ebert meio ranzinza (e é visível que ele não conhece os jogos), mas diferentemente de Moriarty eu acho que pode haver arte nos jogos, só que uma arte muito diferente do cinema e da literatura.

    ResponderExcluir