sexta-feira, 11 de março de 2011

2501) Drummond: poemas da política (11.3.2011)




O livro de estréia de Carlos Drummond, Alguma Poesia (1930) tem alguns poemas cujo tema é a política; e tem alguns poemas que eu chamo de não-poemas, porque não passam daquelas brincadeirinhas modernistas para apoquentar os conservadores. 

Toda vanguarda é feita por jovens, e por jovens que acreditam que estão mudando o mundo. Daí que eles demonstrem uma certa arrogância, um desdém pelos que pensam diferente, e uma tendência a fazer piadas provocativas não pelo teor da piada em si, mas para se divertir com o desconforto que a piada provoca nos destinatários. 

Acho que estou errado em chamar esses textinhos de não-poemas; talvez devesse chamá-los de “poemas casca-de-banana”.

Não vejo outra maneira de interpretar esse primor de bobagem que Drummond intitulou “Política Literária”, e que diz, textualmente: 

O poeta municipal 
discute com o poeta estadual 
qual deles é capaz de bater o poeta federal. 
Enquanto isso o poeta federal 
tira ouro do nariz. 

O poema é dedicado a Manuel Bandeira, e é certamente uma alusão ao fato de que a imensa maioria dos poetas brasileiros minimamente significativos, naquele tempo, era composta de funcionários públicos, que trabalhavam para algum órgão dos três poderes.

O texto sugere a rivalidade (talvez real e agastada; talvez uma mera suposição lúdica de rivalidade) entre três amigos, poetas, com empregos diferentes. Não é difícil imaginar um empregado do prefeito indo tomar cafezinho no escritório de um empregado do governador e ficarem os dois por ali, mexendo o açúcar e destilando o veneno contra um colega mais bem aquinhoado que habita uma mesa de mogno do Palácio, na Capital Federal. 

É significativo também o uso da expressão “tirar ouro do nariz”, que exprime menosprezo e indiferença, e literalmente significa tirar meleca (ou tirar catôta, como dizemos na Paraíba). Existe aí uma sugestão freudiana (ouro = meleca = fezes) que não deixa de significar algo mais redondo abarcando as vidinhas dos três personagens. Teu emprego público, tão importante? Porcaria. Tua poesia, tão preciosa? Porcaria.

Essa correntezinha de invejas ao longo de uma cadeia hierárquica não passa sem me lembrar também o famoso soneto de Machado em que um vagalume inveja uma estrela, uma estrela inveja a lua, a lua inveja o sol, e o sol se queixa: “Por que não nasci eu um simples vagalume?”. 

Leio numa pequena cronologia biográfica que Drummond, quando publicou Alguma Poesia, trabalhava na Secretaria de Educação estadual, e só se tornaria “poeta federal” em 1934, ao acompanhar Gustavo Capanema quando este foi nomeado Ministro, levando o poeta consigo para o Rio, como chefe de gabinete.  

É de se supor, então, que fosse ele o poeta estadual. Seria Bandeira o municipal? Sua biografia no saite da ABL registra que de 1927 a 1929 ele trabalhou no Recife como “fiscal de bancas examinadoras de preparatórios”. 

É típico dos poetas exercerem, para sobreviver, as menos poéticas das funções.






Um comentário:

  1. -Aceita a sua provocação, sr.B ; queira, por obséquio, apanhar seu protocolo, juntamente com o boleto de acompanhamento, no guichê K. Próximo, favor!

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