Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 9 de março de 2011
2499) Os 400 queijos (9.3.2011)
Sempre que se fala em políticas públicas para a cultura eu me lembro da frase impaciente do General De Gaulle, quando era presidente da França: “Como se pode governar um país que tem 400 marcas de queijo?”. A beleza deste desabafo é que ele não vem de um “enfant terrible” como Daniel Cohn-Bendit ou de um contestador como Sartre. Vem de um dos mais caretões dos militares que já encarnaram A França Profunda; vem da reserva moral da velha Gália. Pois é, general. Uma coisa é acreditar em símbolos, outra muito diferente é produzir uma legislação que acomode e contemple reivindicações específicas. Ora que diabos, 400 tipos de queijo?! Por que não resumimos isto a uma dúzia, e estamos conversados?!
A cultura tende a se diversificar e a se ramificar fractalmente, subdividindo-se cada vez mais, em instâncias minimamente particularizadas e individuais. A cultura é o reino do único, do personalizado. Por outro lado, a administração (e as suas correspondentes legislações e instâncias regulatórias) tende a generalizar, a colocar mil coisas diferentes sob uma única denominação, para ganhar tempo e poupar papel, além de deixar claro que todos são iguais perante a lei. Ou seja, a lei que organiza a produção e comercialização dos queijos tem o dever republicano de tratar todos os queijos como iguais. Só que cada queijo francês (e “queijo francês” se pronuncia com o tom de voz de “catedral gótica” ou “concerto barroco”) exige ser tratado como algo excepcional, fora de série, irredutível às generalizações. E chegamos àquele impasse tão comum quando tratamos com objetos culturais: a Cultura é uma regra composta totalmente de exceções a ela mesma.
Um governo resolve eliminar um imposto qualquer sobre o livro, para ajudar a literatura. Mas os romancistas reclamam que a mudança favorece também os livros de auto-ajuda, que, segundo eles, são mais inimigos da literatura do que as fogueiras da Inquisição. O que fazer? Liberar do imposto apenas os romances? Apenas os bons romances? Apenas os romances bem escritos? Apenas os romances com mensagem social e verdade filosófica? E o que dizer dos livros de contos? E da poesia? Por outro lado, talvez os romances publicados pelas pequenas editoras talvez precisem mais dessa isenção do que os das editoras grandes, que têm mais jogo-de-cintura financeiro. E por aí vai.
Toda lei é uma desumanização, porque implica numa generalização, numa recusa a reconhecer o que cada Ser tem de único. Temos o hábito de dizer que “cada caso é um caso”; essa frase bate de frente com um dos pilares da democracia, que é a noção de que todos devem ser iguais perante a lei. Todos acreditamos que a lei não pode favorecer ninguém, não pode abrir exceções para beneficiar alguém considerado “um caso especial”. O fato de que mesmo assim toda lei abre tais exceções mostra o quanto é difícil praticar a democracia (que se baseia na pressuposição de igualdade) no reino da diferença.
Senti um teor anarquico. Bom texto, abraço!
ResponderExcluir