terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

2474) “Tio Boonmee” (8.2.2011)



Este filme tailandês em cartaz no Rio tem como título Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas, e ganhou a Palma de Ouro em Cannes.. Se você acha o título difícil de memorizar, console-se pensando que o diretor se chama Apichatpong Weerasethakul. É um diretor “cult” do momento; não vi nenhum dos seus outros filmes, mas este é belamente narrado e fotografado, mesmo com uma relativa precariedade técnica. Apichatpong (que os críticos dos EUA, para simplificar, chamam de “Joe”) gosta de planos longos em que as coisas acontecem com seu próprio tempo, como se não soubessem que diante delas está uma sala escura cheia de poltronas onde pessoas impacientes esperam que aconteça alguma coisa. A cena inicial, ao amanhecer, mostra, numa baixada coberta de mato, um animal (uma vaca?) se desamarrando da árvore, fugindo, e sendo trazido de volta por um homem. Isto dura alguns minutos, com silêncio e cantar de grilos, e me fez sentir que aquela baixada era mais real do que a sala onde eu estava sentado. Cenas de filme podem nos dar duas sensações (ambas esteticamente legítimas): a de uma história que está sendo contada ou a de uma coisa que está acontecendo. No filme de “Joe” predomina a segunda. Ele sabe, para usar a expressão de Tarkovsky, “esculpir o tempo”.

Tio Boonmee fala da zona-de-sombra entre este mundo e o outro, e mostra os últimos dias de vida de um homem com um grave problema renal, que quer fazer as pazes com suas lembranças e sua família. Aparecem fantasmas e criaturas estranhas, gerando um clima meio David Lynch, pelo impacto do surgimento do fantástico, sem preparação dramatúrgica, numa narrativa que parecia estar se encaminhando de outra forma. Comparar um diretor novo com diretores velhos é um passatempo da crítica, talvez porque o cinema é como a culinária. Não é só o modo de preparar que conta, mas cada artista usa ingredientes que, mesmo sendo da Natureza, parecem seus. Quando os reencontramos na obra de outro é que percebemos que nada na arte pertence ao artista, tudo pertence à Memória Prima que nos faz fazer filmes e assisti-los.

Há uma cena calmamente bela em que uma princesa, junto a uma cachoeira, lamenta a juventude perdida e depois tem relações sexuais com um peixe. Contada assim parece uma bobagem, mas é um episódio (que pode corresponder a uma das “vidas passadas” do Tio Boonmee) que quebra o fluxo da história principal e a eleva a um estágio superior de significado. Outra sequência surpreendente é o sonho de Boonmee, de ir a um mundo do futuro em que os visitantes do passado são localizados, têm sua imagem projetada através de lanternas e com isto deixam de existir. Parece uma alegoria sobre a fotografia e a televisão (que aparecem reiteradamente no filme), além do próprio cinema. As pessoas morrem e deixam atrás de si imagens, fantasmas translúcidos; e a contemplação desses fantasmas é um dos passatempos mais importantes dos vivos, dos feitos de carne e osso.

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