Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
2470) Jekyll Estripador (3.2.2011)
(gravura de Barry Moser)
O trocadilho infame deste título poderá ser perdoado por alguns leitores, se eu os convencer da importância do intercâmbio entre literatura e vida, ou, no presente caso, entre literatura de crime e crime de verdade. O Dr. Jekyll é o personagem do livro de R. L. Stevenson conhecido no Brasil como O Médico e o Monstro. É um médico respeitado que, ao tomar uma poção que ele mesmo inventou, transforma-se em Mr. Hyde, um sujeito sádico, violento, que age no submundo e pratica atrocidades. O livro de Stevenson foi publicado em janeiro de 1886 e em junho já vendera 40 mil cópias em Londres. Teve enorme impacto junto ao público e à imprensa, e diz-se que a própria Rainha Vitória o leu.
Dois anos depois os palcos de Londres já exibiam as primeiras adaptações teatrais da obra de Stevenson, quando, entre agosto e novembro de 1888, aconteceram os cinco assassinatos atribuídos a “Jack o Estripador”. Até hoje não se sabe quem foi ele. Assassinou e desfigurou cinco prostitutas, demonstrando razoável conhecimento de anatomia. Entre os inúmeros indivíduos que foram suspeitos dos crimes estavam vários médicos famosos, inclusive Sir William Gull, médico da Rainha. De um momento para outro, portanto, um médico londrino viveu em carne e osso a transformação de Dr. Jekyll em Mr. Hyde, praticou crimes ainda mais sádicos do que os de Hyde, e conseguiu escapar. Ficcionalmente, escapou até de Sherlock Holmes, que nesse ano de 1888 o ignorou, pois estava às voltas com os casos do “Intérprete Grego” e do Signo dos Quatro.
Historiadores perguntam se o sucesso da noveleta de Stevenson teria incentivado algum médico esquizóide a liberar sua porção criminosa. A verdade é que a criminalidade no submundo londrino desse tempo já era muito grande. Os crimes de Jack se sobressaíram apenas por causa da meticulosa violência, da sua serialidade, e da incapacidade da polícia em descobrir a identidade do assassino. Hoje, serial killers são quase um lugar comum. Na época, era algo em que ninguém tinha pensado, e essa ameaça pendente (“ele está solto, ele vai atacar de novo, ele vai fazer aquilo com qualquer pessoa”) alvoroçou a opinião pública.
A polícia de Londres recolheu na época 128 cartas (remetidas para ela própria, para a imprensa ou para outros destinatários) de pessoas que diziam ser Jack. Fala-se que cerca de 40 delas poderiam ser do criminoso. A grande quantidade de cartas com falsas ameaças e falsas confissões demonstra o impacto dos crimes junto à opinião pública. O crime, principalmente o crime brutal, cruel, psicótico, é uma ruptura do Ego da sociedade, por assim dizer. É aquele momento em que as barreiras de controle se rompem e o animal bruto emerge. A literatura de crime é uma forma de liberar essa pressão e de chamar a atenção para a existência dela, sem que o crime ocorra. Se Mr. Hyde foi um pesadelo de Stevenson que virou livro, Jack the Ripper foi um pesadelo de Londres, e virou crime.
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